sexta-feira, 26 de maio de 2017

O PASSADO É SÓ UMA HISTÓRIA QUE CONTAMOS A NÓS MESMOS



Esta frase é do filme “Her” de que gostei muito. Ao mesmo tempo em que apresenta um cenário futurista do que pode se tornar a vida humana, a história é de um lirismo de matar!
Bem, mas não é do filme que quero falar, é da história de cada um que já tem um passado distante, uma infância, enfim, de quem já deixou uma grande parte da vida para trás. É verdade que um jovem pode sentir saudades de seu passado, de sua infância, contudo o impacto das lembranças de quem já viveu muitas décadas é muito mais forte. Graciliano Ramos dizia que “precocidade em literatura é impossível”. Então, fazendo uma analogia, falo da saudade ou de lembranças como algo assim em que a precocidade também não é possível, pois é preciso ter já ter vivido anos sem fim para se lembrar com saudades de fatos que nos marcaram. Faz parte da nossa natureza humana valorizarmos bem tarde o que bem cedo tivemos.
Os idosos são criticados porque sempre voltam a falar de sua época, do que os fez felizes, e ao fim de tudo, a história só interessa a eles mesmos, a quem conta. Só quem viveu é que vai se emocionar sempre e sempre com os detalhes que permanecem vivos em sua memória. Vou me lembrar de não ficar falando de minhas lembranças com ninguém, prometo. Apenas para a tela em branco do meu computador. 
Além do filme “Her” que trouxe esta frase que usei como título deste texto, ainda aconteceu algo que me moveu a escrever: estava assistindo pela TV à operação na Cracolândia, coisa mais triste! Não sei dizer se a vida hoje em dia é melhor ou pior do que antigamente, cada coisa no seu tempo. Mas no passado não havia aquele horror de tráfico de drogas, de pessoas, jovens, meninas grávidas vivendo em pardieiros apenas com um único desejo que lhes restou na vida, um desejo imperioso e incontrolável de se drogar. Inevitável foi a comparação de São Paulo da Cracolândia de hoje com o que era no passado. Uma lembrança traz outra.
 Pois bem, lembrei-me de quando minha mãe e meu pai nos levaram a São Paulo, eu e minha irmã. Éramos meninas, 8 e 10 anos. Ficamos hospedados no apartamento do tio Finfa, irmão de meu pai. Era um apartamento pequenininho, dormimos na sala, lembro-me direitinho. Tia Dita arrumando nossa roupa de cama, tudo com muito carinho. Tio Finfa nos levando para caminhar pelo centro de São Paulo, viaduto do Chá e outros lugares. Era uma manhã de frio e muito vento e o bonezinho xadrez do tio Finfa não aguentou e fugiu de sua cabeça, ganhando os ares. Ele e o papai saíram correndo para alcançar o boné e nós ficamos com minha mãe à espera do resgate. Meu tio Finfa corria veloz, era muito alto e magro e tinha umas pernas compridas a perder de vista. Cada vez que se aproximava, o boné saltava mais para frente e esta operação se repetiu algumas vezes. Ele e meu pai riam muito e as pessoas na rua tentavam ajudá-los na caça ao boné. Nós, de longe, ficamos torcendo para que ele alcançasse o bonezinho. Até que enfim!
Foi apenas uma lembrança do passado, de um universo, de uma vida tão longínqua que eu poderia até duvidar de que se tratasse de minha própria vida. Foi apenas a lembrança de uma história que veio à tona e que eu conto para mim mesma porque teve um significado só para mim, talvez para minha irmã, da mesma forma que outros também são acometidos por lembranças que são significativas só para eles. Meus pais, tão jovens ainda, meu tio Finfa sósia de Carlos Drummond de Andrade e um bonezinho que saiu voando de meu passado e que veio ao meu encontro agora, pousando em meu coração depois de tantos anos, me matando de ternura. Acho que fiquei idosa!         

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