“Quando
eu sei que ele vem, eu fecho a porta para a grata surpresa. Vou abri-la como o
fazem as noivas e as amantes. Seu nome é: Salvador do meu corpo.” (Adélia
Prado)
Quando
meu amor ainda não tinha chegado à minha vida, eu achava a maior antipatia quem
chamava pelo namorado ou marido de bem, beiêeee! Para pagar a língua, só chamo
meu bem de bem, beiêee vem cá, beiêee põe água nas plantas pra mim, bem pra cá,
bem pra lá, afinal “amor, tem que falar meu bem”, diz Adélia Prado. Como não
chamar de bem quem me advertiu com uma adorável e solene seriedade na véspera do
casamento: casamento pra mim é pra toda a vida, viu? E eu sorrindo concordei
feliz como são todas as noivas, embora soubesse que o futuro a Deus pertencia.
Que me importava o futuro? O presente era tudo e continua sendo. O futuro não
existe, não é assim que dizem?
Bem,
agora este bem em início da frase não significa bem de amor, nem é substantivo,
tampouco advérbio, talvez mais para interjeição. É algo como “vamos lá” ou
talvez “vejamos”, sei lá, mania de continuar a conversa. Bem, e vamos vivendo o
presente cheio de pequenas coisas grandiosas, como quando ouço seus passos na
escada e chamo pelo seu nome, e ele me responde solícito. Ou quando conversamos
na hora do almoço e falamos de filosofia, de gramática, de história, de filmes,
de pratos a serem testados e até de alienígenas.
E
ele sempre me conta histórias bobinhas para desmanchar minha cara feia. Como
aquela em que eu não queria mais comer carne e ele, sério com um riso no canto
da boca, me segreda que um boi seu amigo disse que neste mundo de Nosso Senhor
um come o outro, por isso ele, o boi, está de acordo que a gente coma sua
carne. E aquela em que os homens das cavernas pensavam que a mulher tinha
poderes sobrenaturais, pois podiam
procriar e eles não. Aí um dia descobriram que sem seu sêmen os bebês não seriam feitos e então fizeram o diabo a
quatro, arrastaram suas mulheres pelos cabelos e deram início a milênios de
dominação machista.
Às
vezes fico amuada, coisa de menina mimada. Ele acha graça e me diz que eu
pareço a personagem da música de Juca Chaves, “de dia uma menina, de noite uma
mulher”.
No
entanto, não desejo amores arrebatadores nem paixões avassaladoras ou corações tresloucados,
amar baixinho já é loucura demais. Quero a presença calma, a gentileza dos
momentos comuns de todos os dias, a empada de palmito, as empanadas, o pão
caseiro, o chope amargo ou o vinho bem seco. Quero andar de mãos dadas, o
sorriso certo, sempre a cama simples, mas quente, sem pudores. Quero o amante e
o eterno namorado. Quero o presente porque o futuro a Deus pertence. Quero a
presença.
Mas
no dia dos namorados vou querer bolo de noiva sim senhor, camafeu e champanhe.
O amor deve ser tudo isso. A gente é que nunca percebe.
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