Todo mundo já mentiu, ou mente ou
mentirá. Duvi-de-o-dó que não. Não falo de mentiras pérfidas ditas por línguas
malévolas com o intuito de prejudicar alguém, mas de uma “mentirinha carioca”.
Achei ótima esta expressão que ouvi de uma conhecida que aprendeu de seu tio,
querendo dizer que seria uma mentirinha descontraída, bobinha, que não faria
mal a ninguém, mentirinha de amor, uma santa mentira. Existe sim. Então eu não
me lembro de minha mãe querendo consolar Dona Ana que estava doente e sentia
muito medo de morrer? Ela chorava e dizia que quando chega a hora a gente tem
que aceitar. Minha mãe disse: ora gente, isso não quer dizer que a senhora vai
morrer, está apenas doente, ainda vai sarar. E eu, ainda bem criança, sem saber
que a morte existia, soube captar nos dizeres e tons da mãe que eu bem
conhecia, um quê de certa santa mentira. Dona Ana estava mal.
E muito tempo depois, quando eu já
era uma jovem de 20 anos, passeando na casa de parentes, acatei com a maior
naturalidade o pedido de minha prima que ia fazer uma visitinha lá na vizinha:
Misa, se até às 8horas eu não voltar, chega no muro e me chama, diz que é
telefone pra mim, tá? Tá. E a gente faz da mentira uma prática diária. Ela
fazia isso para não magoar a vizinha que gostava de um papo, e eu para não
magoar a prima que era ocupada e precisava voltar logo para casa. Enfim, de
fato a “mentirinha carioca” está presente em nossa vida.
Com
as mentiras aprendemos que podemos nos sair bem sem magoar ninguém. Mentimos
por amor, por medo, por ansiedade, por covardia, por vaidade. Estávamos eu e
uma conhecida numa loja experimentando roupas. Provávamos várias peças e nos
olhávamos num grande espelho. De repente ela saiu do provador com uma roupa
totalmente inadequada. E me perguntou: está bom em mim? E eu tentando me
proteger, fugia pela tangente: nossa, que roupa linda! E ela: mas está bom em
mim? Diga sinceramente. Acuada daquela maneira, não tive saída. Ninguém deveria
fazer isso com ninguém. A mentirinha carioca não ia rolar e nem colar. Então eu
disse: Não está bonito, mas não está feio, acho que outro tipo de roupa cairia
melhor em você. Ela entrou no provador e demorou muito pra sair. Às vezes a
verdade é dura. Eu voltei para casa sentindo-me péssima.
Há
quem saiba ser verdadeiro sem nenhum conflito. Eu não. Conheço pessoas francas,
que dizem o que sentem sem o menor pejo. Porém o limite entre ser franco e mal
educado é muito tênue. Talvez o meio termo exista. A gente pode começar com
coisas mais simples. Se no Facebook você gosta de determinada postagem, curta.
Se você ama, ponha lá o coraçãozinho, se acha engraçado, ponha a carinha rindo,
mas se não gostar, não ponha nada. Não diga, “linda” quando achar que não é linda.
E não se esqueça de que você sempre vai desapontar alguém por mais esforços que
empreenda para que isso não aconteça.
Ser
verdadeiro é difícil, mas é ser fiel. A verdade é transparente, clara, única. A
coerência nunca vai existir na mentira. O mundo nos encoraja a mentir, porém mentir
é perigoso. Uma mentira puxa a outra, e em determinada curva da estrada já não
sabemos fazer o caminho de volta. Ainda que seja uma mentirinha carioca,
mentira é mentira. Santo Agostinho dizia que quem não é fiel nas pequenas
coisas também não será nas grandes. A verdade, mesmo dita de maneira suave pode
machucar, contudo não resta a mínima dúvida de que é a verdade que sempre nos libertará.
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