A
escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche é realmente uma escritora
fantástica. Certa vez uma prima compartilhou comigo que desejava ficar lendo
apenas os clássicos porque não teria erro. Não é incomum a gente começar a ler
livros atuais e parar. Na época concordei com ela, mas há autores e livros
muitos muito bons na atualidade, e Chimamanda é excepcional. Já li
“Americanah”, um “best seller”, e agora leio “Notas sobre o luto”, que me
comove imensamente porque me faz lembrar como nunca da morte de meu pai e de
forma contundente. Reflito como nossa vida sempre é e será uma coleção de frases
e atitudes de nossos pais. Volta e meia estamos falando: “como dizia o papai”
ou “como dizia a mamãe”.
Chimamanda
perdeu seu pai em junho de 2020 durante a pandemia de Covid-19 que mantinha a
família distante, e ela derrama sua imensa dor em “Notas sobre o Luto”.
Lembrei-me da Lia Luft em “O lado fatal” e da Joan Didion em “O ano do
pensamento mágico”, duas autoras que de modo diferente abordaram a questão da
perda e do luto. Mas Chimamanda vai fundo, toca o meu coração de um jeito
especial, sinto suas palavras sendo escritas para mim. Perdi meu pai há dezoito
anos, ano em que me casei. Sempre me lembro do dia seguinte ao velório e
sepultamento, quando uma conhecida percebeu minhas olheiras e olhos inchados.
Ela me perguntou se algo havia acontecido e eu disse: Meu pai morreu e eu vou
me casar daqui a poucos meses, informação totalmente descabida e desnecessária,
que jorrou de minhas entranhas sem que eu pudesse controlar, talvez como uma
espécie de compensação pela perda. Isso apenas me mostrou como ficamos frágeis
e descontrolados quando morre alguém que amamos. Não importa o quanto a gente
possa parecer que está calma e controlada, simplesmente não estamos. Estamos
fragilizados, vulneráveis. O luto é isso.
Assim
como Chimamanda, eu tinha muita certeza de que meu pai chegaria aos noventa
anos e muito mais. Mas lá se foi ele embora com oitenta e quatro. Um homem bom,
decente, honrado e extremamente puro. Como nós o amávamos!
Os
lutos são diferentes como as pessoas são diferentes e também os
relacionamentos. Eu amava meu pai do jeito que ele era, nunca desejei que ele
fosse diferente. Nunca seus defeitos ou suas fragilidades foram empecilho para
o amor entre nós. Me vêm à mente cenas e palavras trocadas antes e depois de
sua morte. Me vem a lembrança de minha irmã inconsolável à mesa da casa de meus
pais, dizendo e repetindo: a melhor pessoa de todos nós, a melhor pessoa de
nossas vidas foi embora, nunca mais! Nunca mais. Este estar junto logo após o
sepultamento é muito importante porque ali, naquele momento, vamos compartilhando
afetos, consolos, entre lágrimas e frases entrecortadas, entre risos tristes
quando alguém se lembra de algum fato engraçado sobre a pessoa. Enfim, a gente
ri e a gente chora junto. O luto é isso. Ele pode durar muito ou pouco, vai se
reconfigurando até que fica uma lembrança terna, mas as lágrimas sempre vêm nos
visitar.
Eu
sempre me pego pensando nele quando repito algum gesto seu. Explico, meu pai
era ansioso, sempre querendo cumprir tudo de uma vez. Também sou assim. E
quando cumpro alguma tarefa, aí digo para mim, isso Misa, muito bem, agora é só
descansar, está tudo certo. Aí a outra de mim me alerta: Não, Misa, não está
tudo certo. A vida é incerta, a vida é um mar de incertezas. É bela, é
preciosa, mas é incerta e inexata. Hoje estamos aqui, todos estão bem. Amanhã?
Não sabemos, ninguém sabe. Portanto, por hoje, se suas costas estão doendo, vai
deitar. Deixa a limpeza para outro dia, para depois.
A
inexatidão da vida e a incerteza regem o mundo e permeiam nossas vidas, mas eu falo
isso sem pessimismo, nem tristeza, nem morbidez. Falo com naturalidade,
pensando sempre no amor de Deus e na paz de Jesus. Vivemos de lembranças,
vivemos de ternura. Outro dia eu me lembrei de quando vi daqui de minha janela
meu pai ainda muito bem, já idoso, mas firme, caminhando ao longe. Nunca
aceitou usar tênis nem roupas esportivas, mas fazia sua caminhada. Eu fechei os
olhos e abri de novo, esperando vê-lo como naquele dia, de bonezinho.
Minha
irmã também me contou um sonho que teve com ele. Foi em Pedralva, na primeira
casa onde moramos. Meu pai descia a rua da casa do Chinho vindo de lá de cima.
Minha irmã ficou esperando para encontrá-lo, pois o natural seria que ele se
dirigisse para nossa casa. Surpresa, ela viu que ele desceu reto, sem sequer
olhar para ela ou para sua própria casa. Ela entendeu que ele não morava mais
nas casas terrenas, nem mesmo em sonhos.
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