Há treze
anos atrás, numa aula de Literatura/Psicanálise, a professora perguntou: alguém
poderia me dar uma definição de Psicanálise? Ninguém falou nada. Bem, eu que já
havia aprendido a ser ousada, respondi: vou passar para vocês a definição de
Rubem Alves, que é lindamente
significativa, “se tal advérbio vai bem com tal adjetivo”, frase de Machado de
Assis no livro “Memorial de Aires” que tomo emprestado aqui para meu texto.
Mas antes
preciso contextualizar essa definição de Rubem Alves porque a origem de tudo é
muito importante. Fiz quase dez anos de Psicanálise que virou e revirou minha
vida. Eu já escrevia uma coisinha aqui, outra coisinha ali, pois daí por diante
escrevi muito mais e continuo escrevendo. Óbvio que considero a Psicanálise uma
sofrida e bela viagem que todos deveriam fazer. Então, lá bem no início de todo
o processo, meu psicanalista queria saber o que eu estava lendo. Eu? Nada há
muitos anos. Lia sim e muito contas de luz e água que recebia no caixa. Porém,
fui salva pelos livros que li na adolescência, alguns clássicos como “O homem
que ri” de Victor Hugo e “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. Nunca me
esqueci. Bem, meu psicanalista me emprestou um livro de crônicas de Rubem
Alves: “O Retorno E Terno”. Eu li como uma responsabilidade tal que até decorei
as crônicas. Uma delas calou fundo: “Sobre Príncipes e Sapos”.
Rubem
Alves dá uma linda definição de Psicanálise, contando uma história. Mais ou
menos assim: Um príncipe cantava maravilhosamente bem e encantava todos que
ouviam. Uma bruxa muito má (bruxas existem sim) queria cantar como ele e sentiu
tanta inveja que lançou sobre o príncipe um feitiço terrível. Ela o transformou
num sapo e ele, pobrezinho, teve que ir morar com outros sapos e rãs. Ele era
um sapo igualzinho aos outros, menos numa coisa: ele continuava a cantar
lindamente, mas os outros sapos não gostaram daquilo porque eles só sabiam
coaxar e determinaram – quem mora com rãs e sapos têm que coaxar como rãs e
sapos. O príncipe foi obrigado a silenciar e aprender a coaxar. E com o passar
do tempo, ele se esqueceu dos cantos e sua voz apenas coaxava. Na verdade, ele
não se esqueceu não. Quando dormia ele sonhava com a antiga melodia que estava
escondida e proibida dentro dele. Mas quando acordava, tudo não passava de um
sonho confuso. Agora, vejam que linda a definição de Psicanálise segundo Rubem
Alves: “Psicanálise é uma luta para quebrar o feitiço da palavra má que nos fez
adormecer e esquecer a melodia bela”. É o reconstituir de uma canção que só nos
chega em fragmentos desconexos.
E ele
cita Fernando Pessoa: “... E a melodia que não havia, se agora a lembro, faz-me
chorar”. Rubem Alves ainda diz: “Será isso? Em nós mora um outro? ...” Agora
sou eu que digo: em mim moram muitas outras, é uma loucura só. Mas gente, são
outras numa só. Louca eu? Sim, poeta e louca.
Conclusão:
parei de coaxar, apropriei-me de meu canto tão belo enquanto encanto! Por isso
a Psicanálise é importante sim porque cada alma vem com uma melodia belíssima,
só que desafortunadamente esta melodia é logo esquecida e sufocada pelo impacto
das palavras más com que somos massacrados dia após dia. Não sei o seu caso,
mas quanto a mim, mandei a bruxa de volta pra floresta.
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