sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Viagem do Sertão para Brasília








Isto quem conta é meu marido que viu tudo, pois estava presente. O ônibus para Brasília saiu pontualmente às nove da manhã, lotado. E olhe que a viagem demorava, o carro ia rolando e parando em cada cidade, em cada posto, debaixo de um calor insuportável, feito taturana debaixo do sol. Entre os passageiros, embarcou um homem conhecido da cidade, nem jovem, nem velho, gente de posse e importância no lugar, mas bêbado inveterado, tendo sido interditado pela família pelo motivo do álcool. O homem já entrou no ônibus carregado de cachaça por todos os poros e na pretensão de enganar o motorista e os passageiros, carregava uma garrafa de coca-cola onde misturava cachaça e refrigerante. Mal parava em pé, custou a achar o assento, cambeteando por todo o corredor do ônibus. Depois de várias tentativas, conseguiu sentar-se ao lado de uma moça um pouco gordinha que odiou ter que esbarrar nele a cada sacolejo do ônibus e ter que aturar o cheiro da cachaça e o hálito pestilento do sujeito. Nem sabia o que tinha pela frente. Pois bem, lá pelas tantas, o homem não se aguentava de dor de barriga, mas até aí ninguém sabia de nada. Foi uma verdadeira luta entre ele e os passageiros porque ele não acertava uma, caía pra cá e pra lá e assim foi até chegar ao sanitário. Agora, convenhamos nós, se sem estar bêbado, já é difícil se equilibrar no banheiro de um ônibus em movimento, imaginem o homem naquele estado. Pois não conseguiu fazer nada dentro do vaso, borrou-se todo, além de borrar o banheiro de cima a baixo. Não logrando abrir a porta, ficou gritando lá dentro, literalmente mergulhado na merda. Todos os passageiros, já sentindo o mau cheiro terrível, farejaram o perigo no ar. Um conselho de passageiros foi formado de forma rápida e instintiva, como acontece em casos de calamidade pública. Deliberaram e concluíram: se ele consegue sair de lá, estamos fritos, é melhor que lá fique. Mas como prosseguir viagem com aquele odor insuportável e depois, confabulavam entre si, é falta de caridade deixar um cristão preso num cubículo cheio de cocô fedorento. Que espécie de gente somos nós, onde está a fraternidade? Não tiveram tempo para acabar a reflexão filosófica e religiosa. O homem conseguiu abrir a porta do banheiro e lá vinha, um verdadeiro bicho raivoso, como um rato queimado que se contorce todo, e foi espirrando merda pra tudo que é lado, caindo em cima das pessoas que desataram a gritar feito loucas. Foi um desvario, um pandemônio geral. Sem a mínima condição de pensar, pelo grave estado alcoólico, o pobre coitado, por ele mesmo, não tinha ainda compreendido o que acontecera, talvez pensasse que tivesse caído num caldeirão do diabo, pois ele mesmo era insuportável a si próprio. Quem estava sentado no corredor pulou no colo de quem estava na janela e gritos, gritos e mais gritos. O motorista, apavorado, custou a parar o ônibus. O cobrador, na qualidade de autoridade competente dentro do carro, gritava, fica aí! Fica aí, sô!!! Naturalmente pensando mais nele do que na comunidade rodoviária. O homem ia pra um lado, todo mundo ia pro outro, uns por cima de outros. O ônibus quase caindo pelo peso da multidão em pânico. Até que enfim o motorista parou o carro. Os que estavam na frente saíram correndo pela porta afora, ávidos pela liberdade e os que estavam atrás do homem continuaram presos, gritando desesperadamente. E o bêbado, digamos que tomado por uma insanidade provocada pela mistura de álcool e fezes putrefatas, se debatia em convulsões, caía e se sujava mais ainda, sujando quem encontrava pela frente. Quando alguns poucos que já se encontravam do lado de fora recuperaram o juízo e o ar fresco, com coragem e resignação, entraram no ônibus e conseguiram arrastar o infeliz para fora do carro. Aí a pequena multidão se enfureceu. Quiseram linchar o homem, principalmente as mulheres que estavam totalmente histéricas, entre elas a gordinha perseguida cruelmente e que trazia grande parte da blusa outrora branca, agora amarelada pelas fezes do indivíduo. Totalmente transtornada, ela gemia, entre dentes, eu mato ele, eu mato este desgraçado. O cheiro piorava a cada instante e o homem acabou sendo salvo, não sem antes levar uns sopapos. Depois de retirada a decisão do linchamento, quase todos concordaram que era melhor deixar o bêbado entregue a sua própria sorte no acostamento da rodovia. Mas alguns, bem poucos, para dizer a verdade, ainda movidos por um pálido sentimento cristão que tentavam, com dificuldade, arrancar das profundezas da alma, questionaram os demais: quê isso, gente, tem que ter compaixão, ao que ouviram da maioria enfurecida, que compaixão o quê? Enfim, prevaleceu a lógica objetiva, perdido por um, perdido por mil, já que tinham que prosseguir viagem com o ônibus em  estado lastimável de cocô super fedorento, pelo menos até chegar a um posto, inútil deixar o bêbado sujo feito um porco na beira da estrada. Então, numa verdadeira operação de guerra, arrastaram o homem pra dentro de novo. Coitado! Arrastado pra fora, arrastado pra dentro, sempre deixando um rastro de sujeira por onde era levado. O motorista arrancou e foi a 120 por hora porque ninguém aguentava o cheiro e muitos haviam se sujado também. No posto, o ônibus teve que ser lavado por dentro e por fora. Também lavaram o homem com mangueira e sabão em pó e deixaram secando no sol. Os passageiros foram tomar banho, os que não tinham roupas extras vestiram de outros passageiros que tinham mais roupas na mala. Duas mulheres com pressão alta tiveram que tomar medicamentos, daqueles que são postos debaixo da língua e as demais tomaram calmantes distribuídos por algumas delas. Um homem passou mal do coração. A viagem atrasou quatro horas. O motorista, abalado, compartilhou com os passageiros a decisão de se aposentar, já estava velho demais para aturar desaforos assim. Enfim, todos se salvaram, inclusive o bêbado cagão que foi recebido na rodoviária de Brasília por alguns familiares e pela polícia, já avisada do ocorrido. Mas o infeliz foi liberado, uma vez que ficou comprovado tratar-se de dor de barriga descontrolada agravada pelo álcool, sem intenção de matar. Ô viagem!



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