quarta-feira, 1 de junho de 2016

Avatares: de vez em quando até que não seria má ideia!





            Num dia desses aí assisti mais uma vez ao filme “Avatar”, de James Cameron. Como sou apaixonada por ficção futurística, este filme de alguns anos atrás atendeu a todas minhas expectativas, pudera, foi um estouro de bilheteria e mais um sucesso do talentoso produtor. Combinando tecnologia e natureza, o resultado obtido foi uma explosão de beleza e sensibilidade até para os que não gostam deste tipo de filme. Mas venhamos e convenhamos, quem não gostaria de viver em Pandora, com suas montanhas flutuantes e formas de vida que brilham no escuro? Ou em Pasárgada de Manuel Bandeira, onde se é “amigo do rei”, pretendendo fazer um ousado paralelo. Afinal, quem não gostaria de pelo menos de vez em quando, ausentar-se de si mesmo para, contraditoriamente, não deixando de ser o próprio, poder realizar ousados e secretos desejos e o que é melhor – desembaraçando-se de peias que atravancam o que na imaginação é possível e no real não o é?
            No filme acontece o seguinte: ao tempo em que o protagonista dorme ou entra em uma espécie de coma profundo, ausenta-se do próprio corpo e passa a ocupar um novo invólucro ou ainda um avatar criado, saudável e perfeito, uma experiência maravilhosa para Jake Sully que, sendo paraplégico, consegue andar, correr, sentir o contato dos pés com a terra e realizar proezas incríveis como voar. Este avatar ocupado por Jake traz para ele a liberdade perdida, a autonomia sonhada. Avatar, vocábulo originário do sânscrito, significa a “descida do céu à terra”, reencarnação de um deus num ser humano, proporcionando uma liberdade poderosa e divina, que possibilita à pessoa existir sem as amarras que aprisionam tanto o corpo como a mente. Pois é, de vez em quando, até que não seria má ideia, quero dizer, tirar férias da gente mesmo, principalmente nos aborrecimentos, nas doenças, nas carências, nas impossibilidades, e poder voar como um pássaro liberto.
            A experiência é fascinante e tentadora. Já pensaram? As mulheres obsecadas por um corpo perfeito ou pela juventude perdida correriam em busca de avatares nos moldes de La Bündchen ou de outras belíssimas, os criminosos poderiam se esconder em outros corpos e noutros lugares. Cansados dos problemas, das doenças que fazem doer o corpo e a alma, ou mesmo cansados da mesmice dos dias, aí dormimos, vestimos outro corpo e vamos viver em outros cantos com outras gentes, porém com outros novos problemas, o que dá no mesmo. Faz-me lembrar o caso de uma senhora que recebeu um exame trocado em que acusava uma doença. Ela, bem humorada, disse: “acho que vou ficar com este exame mesmo, vai que o meu está pior ...” Ou ainda aquilo que costumam dizer que se a gente pudesse levar nossa cruz e depositar em um monte cheio de cruzes, acabaríamos por pegar a nossa de volta, pois não sabíamos que as dos outros eram bem piores.
            Outros filmes também abordaram este tema, como “Os substitutos” com Bruce Willis no papel principal. As pessoas fugiam de seus problemas, abandonavam a vida real por uma realidade virtual. Utilizavam belos robôs para os substituírem, até descobrirem que a máquina também tem seus defeitos. Este filme foi considerado medíocre pela crítica, mas a vale a reflexão sobre o tema.    

            Bem, avatares à parte, pois ficção é ficção, pelo menos por enquanto, temos que contar mesmo é com nosso próprio corpo e alma. Posto isso, como diz Elika Takimoto, tratemos muito bem deles. Resta-nos viver como humanos que somos, procurar a conformidade e alegria que podem nos levar a amar ao próximo como a nós mesmos, numa luta que nunca deixará de ser nobre e digna, num mundo que sempre será “muito misturado”, expressão usada por Riobaldo, personagem do “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa. Inconformado, Riobaldo queria que o “bom fosse bom” e o “ruim, ruim”, coisa difícil de compreender e mais difícil ainda de separar, pois ninguém é totalmente mau, nem totalmente bom. Para viver, “carece de ter coragem” e apesar de todos os pesares, ainda é bom ser a gente mesmo!  

Nenhum comentário:

Postar um comentário