Definitivamente
o valor das coisas é relativo, não está nelas em si, mas na medida da
necessidade que sentimos delas ou na medida do desejo que sentimos por elas em
determinado momento e circunstância. A gente pode ter muita grana, mas tem hora
que o dinheiro não vale nada. Se você está numa selva, o dinheiro no bolso não
vai poder te dar as coisas mais simples do cotidiano como um cobertor ou um
pedaço de papel higiênico. Exemplifico.
Há
anos eu viajava todo mês para BH. Já estava habituada com aquela viagem
dolorosamente longa. Então eu ia de noite porque dormia e não sentia passar.
Mas certa vez, fazia um frio que eu não conseguia suportar. Não era possível
dormir de jeito nenhum pelo incômodo do gelo que estava. E a garota ao meu lado
dispôs seu travesseiro encostado na janela, tirou um cobertor da mochila e
dormiu feito um anjo. Não era manta, mas cobertor grosso. Eu olhava para e moça
e sentia uma insana inveja de seu conforto. Que vontade de acordá-la e pagar
pelo cobertor. Tudo o que eu precisava, tudo o que eu desejava naquele momento
da minha vida era o bendito cobertor. Pagaria uma fortuna por ele! Que viagem!
Outra
vez eu e meu marido estávamos em Mendoza e fizemos um passeio oferecido no
hotel. Fomos de ônibus turístico, mas sem banheiro. O lugar que visitaríamos
era uma montanha num lugar distante. Logo que saímos senti uma ligeira vontade
de fazer xixi. Não dei importância, pensava que teríamos obviamente alguma
parada dessas pra turista comprar lembrancinhas, com uma xícara de cappuccino e
banheiro perfumado. Perguntei pra guia se teríamos uma parada porque eu
precisava fazer xixi. Ela aproveitou para explicar a todos que só teríamos uma
parada, então, que aproveitássemos. Pois bem, logo no pé da montanha, a guia
parou o ônibus num lugar onde tinham somente três banheiros. Restaurante e
cafeteria, nada, nada. Três banheiros horrorosos no meio do nada e como era de
se esperar, nem pensar em papel higiênico. Seria um luxo que não combinava com
o cenário. Não fiz o xixi. Não faço. Eu me recuso. Voltei desolada para o
ônibus. Pois me arrependi amargamente. O ônibus se afastava cada vez mais e a
vontade foi aumentando a passos largos, eu desesperada. Tão tímida que sou
(juro que sou), tive que apelar para a guia outra vez, falei que tinham que
parar o carro. Agora teria que ser no mato, meu Deus, que horror! Meu marido me
animava, que é que tem? Você consegue! Nesta altura todo mundo já sabia e
acompanhava o meu drama. Para minha sorte, o ônibus teve que voltar um tanto
não sei porcadeque, como diz a Virgínia minha amiga. Lá estavam os três
banheiros sujos sem papel. E a guia me falou: sorte a sua, aproveita. Eu já
estava conformada de fazer xixi sem papel, mas uma turista caridosa lá atrás me
deu um rolo de papel higiênico passado de mão em mão até chegar a mim. Fui lá e
enquanto fazia o bendito xixi, abracei aquele rolo de papel higiênico com muito
carinho, como se abraça um ursinho de pelúcia perdido na infância e reencontrado
após tantos anos, era o melhor papel higiênico do mundo. Voltei com todos os
curiosos me esperando e eu sorrindo disse que estava ótima, agradeci muito à
turista e seguimos montanha acima, sem restaurantes, nem banheiros. Oh
passeio! Oh guia!
Mas
por que o título “sonho” deste texto? Bem, adoro aquele sonho cheio de creme
coberto com açúcar fininho borrifado em cima, ainda mais quando acabou de sair
do forno. Sempre que vou ao Pró-Life Estética entregar a minha delicada cútis
às mãos de fada da Evanilda, passo na Padaria Morro Chique. Ali já compro o pão italiano e faço questão
de tomar um café preto com o meu adorado sonho, quentinho, com o creme
derramando pelas bordas. Aconteceu que nem era dia de cuidar da cútis, fui ao
médico lá perto e aproveitei para ir à Padaria. No carro ainda, abri minha
carteira. Eu sabia que tinha pouco dinheiro, mas sempre tem o cartão, né? Pois
cadê o cartão? Ai ai ai ai ai, meu marido usou meu cartão e não devolveu. Eu
tinha uma nota de 2 reais e algumas míseras moedas. Bem, eu me dirigi arrasada para
a padaria. Daria só para o pão de sal. Chego lá e o tabuleiro de sonhos recém-saídos
do forno estava sendo colocado na vitrine. De repente ouço alguém me chamando
pelo nome. Era o Fernando meu amigo e ex-colega do BB. Pensei. Vou pedir 10
contos pra ele. Peço a conta dele e deposito. Mas, bobeira minha, não tive
coragem. Poderia pedir pra caixa anotar. Ela está careca de me conhecer, mas achei
chato, não tive coragem. O Fernando não parava de falar e o rapazinho já tinha
o saquinho com 3 pães. Senhora, o que mais? Ahn, abaixei o tom da voz pro
Fernando não ouvir. Quanto é 1 sonho? Hem? O quê? O sonho, quanto é? 1 e 75,
senhora. Eu não sabia quantas moedas eu tinha, mas 1 real e 75 centavos a caixa
deixaria que eu pagasse depois. Lá se foi o Fernando embora com sua carteira
recheada de notas de 10 e eu na maior pobreza. Peguei o pão e o sonho e fui
para o caixa. Passei a nota de 2 e tirei todas as moedas. Adivinhe: 1 e 75. Saí
exultante da Padaria. Voltei pra casa, fiz um cafezinho delicioso e comi demoradamente
meu sonho como um manjar dos deuses, como se ele tivesse sido feito na cozinha de
Buckingham especialmente para a Rainha Elizabeth.
Se
o Fernando estiver lendo esta crônica vai ficar chateado porque tenho certeza
que compraria o tabuleiro todo para mim. Eu sei. Mas bastava um. Um único sonho
difícil conseguido após momentos de aflição sempre vai ter o melhor sabor do
mundo e vai ser o melhor sonho de minha vida!
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