segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

ANJOS NA TERRA

 


 

Quando o cansaço impera, quando as horas sem dormir se acumulam, quando o desânimo ataca e simplesmente queremos abandonar tudo e ir para bem longe para não sofrer mais, a única coisa que alivia é deixar as lágrimas escorrerem a bel prazer para a alma ficar mais leve. E o tempo passa e parece que nada acontece. Rezar? Não temos cabeça, nem coração e eu bem sei hoje que quando estamos assim, devemos procurar pessoas que imponham suas mãos abençoadas sobre nós e peçam a Deus que nos ajude. Não conseguimos nem articular palavra. E o duro é o silêncio de Deus. É que Ele conhece nosso limite e atenderá sim a oração feita com amor e humildade. Mas ainda não é o momento. Tudo é aprendizado. Não é a chegada, é a caminhada que nos faz crescer.

Sim, eu sofri tudo isso há muitos anos atrás. Minha mãe passou de uma séria depressão para uma demência. Tínhamos em casa uma pessoa de extrema compaixão e excelente ajudante para as tarefas domésticas. Ela foi o primeiro anjo que Deus já havia providenciado bem antes, Ele que sabe de todas as coisas e, portanto, sabia que passaríamos por provações. Somos impacientes, queremos que tudo se resolva na hora. Não é assim. Temos que respirar fundo e seguir batalhando. Chegará o momento.

Eu me lembro na época de pensar assim: deve haver alguma pessoa que entenda como lidar com tudo isso e esta pessoa ficará sabendo da minha angústia e ela vai bater à minha porta e dizer: Misa, deixa tudo comigo. Vai pra sua casa, toma um banho gostoso, deita na sua cama e descansa. A gente quer delegar, é humano. No momento simplesmente não há ninguém para delegar e nós não podemos abandonar o barco.

Aos poucos fomos encontrando cuidadoras, uma aqui, outra ali, mas nada é perfeito. Tivemos muitas decepções, erramos mais do que acertamos. Finalmente chegou outro anjo e seu nome era Sandra. Serei eternamente grata à Sandra pelos cuidados e carinho que dispensou à minha mãe. Como a mamãe gostava da Sandra! Que valor tem esta pessoa!

Algum tempo depois, a própria Sandra sugeriu que contratássemos sua irmã. Foi o terceiro anjo e seu nome era Meire, a moça que está com minha mãe na foto. Eu, particularmente, só pude dormir melhor quando sabia com certeza que minha mãe estava feliz com ela, sempre carinhosa, alegre e dispensadora dos maiores cuidados. Era reconfortante assistir ao sorriso estampado no rosto de minha mãe quando chegava quem ela gostava tanto, apesar de não ter a menor ideia de quem seria essa moça que chegava e ia embora. Nem mesmo seu nome ela sabia e quando queria chamá-la saíam os mais variados nomes possíveis.

Nunca vou me esquecer de quando essa preciosa colaboradora estava em seu último dia de férias e minha mãe, que até então não tinha percebido nem mencionado sua ausência, numa clara lucidez no meio de uma cruel demência, ela disse: “A Maria me deixou...” ao que eu me apressei em lhe dizer que não, que exatamente no dia seguinte ela voltaria, mas a essa altura sua mente já vagava por outras paragens, já havia se esquecido do comentário e da presença de sua Maria.

É imperioso que o idoso dependente goste de quem o cuida. A vida para o paciente se tornou cruel, ele praticamente já perdeu tudo, seus parentes, sua saúde e muito importante, sua autonomia. Ele depende inteiramente dessas pessoas. Se o paciente não sorrir feliz quando o cuidador chega, é preciso repensar. Procure outro, troque, até que haja empatia.

E tudo passa. Tudo passa, até que sobrevenham outras tempestades. Temos que nos lembrar de que esta vida não é nossa morada, é nosso barquinho (Sta Teresinha) e este barquinho é frágil no meio de tantas ondas bravias.      

Cuidar de uma pessoa idosa e demente é trabalho do coração, é dom. Minha eterna gratidão à Ana, Sandra e Meire que estiveram comigo em meus piores momentos de angústia, há tantos anos! Essas mulheres foram três anjos que desceram à terra e passaram pela minha vida e principalmente, pela vida de minha mãe, tornando seus últimos anos mais doces, mais delicados, mais felizes.    

 

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