segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

BALANÇO E SENSIBILIDADE DE NERUDA

 

E vamos caminhando para os estertores deste ano tão atípico na vida de toda gente do Brasil e do mundo. Eu aqui tentando fazer um balanço do ano que vai expirar. Foi difícil, triste, com tantas perdas e danos. O que mudou? Ah, muita coisa. Nossos costumes mudaram. Por exemplo, antes da Pandemia, para sair de casa, eu passava um indefectível batonzinho e escolhia uns brincos que combinassem com o vestido. Agora, eu procuro a máscara que combine com a roupa. Nunca lidei tanto com álcool. E passo no sapato, na sola, dos lados, em cima, nos pacotes e caixas que chegam da rua. Continuo tão preocupada como estava nos idos de Março. Rio para não chorar.
Perguntei para meu marido que lição aprendemos para 2021. Ele me respondeu: aprendemos a nos cumprimentar como os japoneses e coreanos, e, embora já soubéssemos que é o certo, aprendemos que ao chegar da rua, os sapatos devem ficar do lado de fora. Já é alguma coisa.
O que não mudou este ano: meu eterno medo de baratas.
Mas, gente, eu gostaria de falar de coisas boas, pelo menos, bonitas e sensíveis, então, aqui vai uma coisa linda que li e copiei de uma crônica de Rubem Braga que copiou de Pablo Neruda contando de sua infância:
“As goteiras são o piano de minha infância. Meu pai sempre falava em comprar um piano que, além de permitir que minhas tias tocassem minha adorada valsa ‘Sobre as ondas’, daria à nossa família esse título inexprimivelmente distinto que vem da frase: ‘Eles têm piano’. Meu pai, nos momentos que o deixava livre sua vida de mobilidade perpétua, porque era chefe de trem, chegava até medir as portas por onde deveria passar aquele piano que não chegou nunca.
Mas o grande piano das goteiras durava todo o inverno. Logo às primeiras chuvas revelavam-se novas goteiras, de voz doce, que acompanhavam as antigas. Minha mãe espalhava bacias, vasos, jarras, latas. Cada uma dava um som diferente: a cada um desses vasilhames chegava do céu tempestuoso uma diferente mensagem, e eu distinguia o som claro de uma bacia de ferro esmaltado de lavatório do som opaco e amargo de um balde amolgado. Esta é quase toda a música, o piano de minha infância, e suas notas, digamos, suas goteiras, me acompanharam aonde me tocou viver, caindo sobre o meu coração e a minha poesia.” (Pablo Neruda)
Ri aqui porque me lembrei que minha mãe contava que minha tia contava que alguém contou que a mãe de uma família lá pelos anos de 50 costumava todos os dias chamar o filho para entrar gritando para toda a vizinhança ouvir: “Oh menino, entra porque está na hora da aula de piano.” E era e é chique mesmo.
Desejo a vocês todos um novo ano de beleza e sensibilidade porque precisamos de beleza e de sensibilidade, e obviamente, de muita saúde.

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