Minha mãe e meu tio pegaram o trem para ir
para casa, lá em 1940 e alguma coisa. Cada qual encerrado em seu silêncio
pensando na vida. Aí, antes que o trem partisse, entrou um homem vendendo
cocadas, olha a cocadaaaaaaa,
branquinha, quase quente ainda. Meu tio, moço novo, olhou para minha mãe com
aquele ar de quem queria o doce. Ela comprou para ele e para ela também. Tem
coisa mais gostosa? Mas eis que entra outro homem, alto, magro, com barba por
fazer, com mãos sujas e pede uma esmola pelo
amor de Deus. Minha mãe tira a bolsa, abre a carteira e entrega os últimos
réis que possuía, como negar? Nessa altura, meu tio saboreava sua cocada sem
pensar nas carências. Era moço, distraído com a vida.
Mais para a frente, já durante a viagem, ele
diz para a minha mãe, você guardou dinheiro para pagar uma carroça para levar
as malas, né? Minha mãe respondeu, não,
dei os últimos réizinhos que tinha para
esse homem que pediu. Meu tio ficou bravo, não compreendia como é que minha
mãe pôde entregar o resto do dinheiro que tinham. Moravam longe da estação
ferroviária, eram três malas pesadas e ele é que não carregava porque tinha um
pouco de vergonha, era moço, bonito e vaidoso. Minha mãe disse, ora gente, o que é que eu podia fazer?
Você quis o doce, eu ia negar pra você? Eu
não contava com esse pobre homem que precisava também da esmola. Como é que eu ia
negar se eu tinha? Eu ia dizer pra
ele não tinha? Ora gente, eu tinha! Meu tio já estava enfurecido. Minha mãe
só disse, Deus proverá, ao que meu
tio ironizou, quero ver se Deus vai
carregar as malas pra nós. Passaram o resto da viagem no mais completo
silêncio. Meu tio, de cara feia e minha mãe pedindo a Deus que ajudasse, não
para as malas que isso ela dava um jeito, mas para a fé do Paulo que era pouca.
Quando chegaram, antes mesmo que saíssem do
trem, já tinham visto a namoradinha do meu tio que acenava na maior alegria,
aparecendo de surpresa. Ele, arrasado, disse para minha mãe, e agora, ela vai ver que não temos dinheiro
nem para pagar uma carroça, viu o que você fez? Minha mãe deu de ombros e
saíram do trem. Depois de abraçá-los a mocinha disse, meu tio me trouxe de carro, onde estão as malas? Minha mãe sorriu
ao ver aquele carro novinho, reluzente, último modelo da época. Acomodaram a bagagem
no porta-malas. Antes de entrar no carro, minha mãe, disfarçadamente, acariciou
a lataria, falando entre dentes, Deus, o
senhor caprichou demais, não precisava tanto! Quanta gentileza e delicadeza de Sua Majestade! Já dentro do carro,
ela disse baixinho para meu tio, Deus
proverá ou não proverá? Homem de pouca
fé! Ele fingiu que não ouviu e foi dar atenção para a namorada.
Cinquenta anos mais tarde, acompanhei minha
mãe à missa e na hora da consagração quando o povo diz, Senhor, eu creio, mas aumentai a minha fé, ouvi minha mãe dizendo
quase em alto tom, Senhor, eu creio, mas aumentai
a fé do Paulo!
Que lindo, Misa! :)
ResponderExcluirObrigada pela força, Márcia!
Excluir