sábado, 9 de abril de 2016

Sobre bois e homens




            Os animais são seres enigmáticos, inteligentes e bem mais intuitivos do que supomos. Quando convivemos com algum deles, podemos perceber isso com clareza. Já estamos acostumados com o cãozinho ou o gatinho que já sabe que estamos chegando e se postam diante da porta nos recebendo com alegria e afeto genuíno, sentimentos que estão gravados em seu olhar. Mas os bois... sim, os bois são seres maravilhosos, já dizia Guimarães Rosa: “As vacas e os cavalos são seres maravilhosos. Quem lida com eles aprende muito para sua vida e a vida dos outros [...] Quando alguém me narra algum acontecimento trágico, digo-lhes apenas isto: ‘Se olhares nos olhos de um cavalo, verás muito da tristeza do mundo!’”.
 Por algum tempo, tivemos dois bois no sítio e pudemos observar seu comportamento, suas reações e mais do que isso, seus sentimentos. Separados de dezenas de bois do sítio vizinho por uma cerca que construímos, não raro observamos que nossos dois bois se aproximavam da cerca para se juntar aos outros bois vizinhos e isso só acontecia quando julgavam que não estávamos por perto, como se quisessem fofocar mais livremente. Imaginamos sua “conversa” silenciosa que parecia dizer:
- e aí, moçada, como é que está o capim do seu lado?
- uma delícia... e o patrão, já foi?
- até que enfim...
Em outras ocasiões, quando deixávamos de ir ao sítio por um tempo maior, invariavelmente, os bois de um lado e de outro, deduzindo que estavam livres para agir, destruíam a cerca e se misturavam como se achassem um desaforo ficarem separados assim. Aliás, se os humanos não suportam ser separados por cercas ou muros, por que é que os animais haveriam de gostar? Certamente, se falam uns com os outros, sua fala devia ser:
- Olha aí, pessoal, pelo jeito, acho que o cara aí não vem mais não...
Vamos lá, todo mundo junto...
- vai que ele volta...
- vai que não volta mais... o pasto é nosso, que mania de fazer cerca pra separar a gente...
            O vizinho adquiriu umas cinco cabeças de búfalos e qual não foi nossa surpresa quando observamos que os búfalos não se misturavam com os bois. Enquanto a turma de bois conversava de cá, os búfalos, cheios de altivez, conversavam de lá. Se fossem para o lago ou para o pasto, cada um ia com seu grupo. Nisso aí percebemos muita coisa dos humanos.
            Certa vez, um dos bois do vizinho caiu de uma ribanceira e, impossibilitado de se levantar, soltava mugidos pungentes, traduzindo dor e sofrimento. Meu sobrinho tentou aliviar o martírio do pobre animal, dando-lhe água na boca e refrescando sua cabeça até que alguma providência fosse tomada. A cena era de comover: um por um, os bovídeos foram chegando de onde estivessem e se juntaram numa roda solidária em volta do irmão moribundo. A cada mugida de dor do boi, todos mugiam dolorosamente, cada hora um e depois todos juntos. Assim permaneceram até que o boi expirasse. Depois se retiraram silenciosamente, sabedores de que deveriam seguir o destino, já nada mais podia ser feito.   
            Sempre temos a tendência de humanizar os animais e aí falamos: parece gente, olha só que inteligência! Talvez os animais, de forma especial, os bois, se isso lhes fosse possível, poderiam ensinar aos homens como ser menos humanos e um pouco mais como eles, mais simples, mais sábios, mais intuitivos. Vivem sem cercas, sem inveja e sem luz elétrica. Cobrem-se com o manto da noite e se levantam com o amanhecer. Comem do que dá a terra e mastigam sua linguagem silenciosa, misteriosa, a dos primórdios dos tempos, quando os homens ainda não habitavam o planeta e ainda não sabiam construir cercas.   

             

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