domingo, 5 de junho de 2016

ALEGRIAS E AGONIAS DE MÃE






            Uma noite dessas, eu já me preparava para dormir quando mudando o canal da TV  dei com o “Animal Planet”. Parei. Algo prendeu minha atenção. Era uma praia com milhares e milhares de focas. Machos, fêmeas e filhotes. Alguns de barriga pra cima, outros se arrastando, parecia não haver um único lugar vago em que não houvesse uma foca. A reportagem mostrava uma mãe foca angustiada, desesperada, que por um ínfimo momento de negligência deixou o filhote passear e o perdeu. Ela saiu a procurar por seu bebê e ele também andava a esmo, perdido sem a mãe. De quando em quando ela soltava um grunhido de dor, cheirava a areia procurando identificar naquele infinito de focas o cheiro do próprio filho. Em vão. O filhote também cheirava o chão, subia em cima de outra foca que o repelia, pois não era o seu filhote, vá entender, coisas da natureza. O filhotinho também soltava grunhidos de medo e angústia e já apresentava sinais de exaustão, desidratação e fome. Quando eu já me preparava para passar horas insones de aflição e dor, eles se reencontraram. Cena linda e divina! A mãe alcançou o pequeno e abraçou-o com aqueles braços e mãos de foca, e o filhote se enrodilhava nela como se saciando de amor e proteção da mãe. Imediatamente começou a mamar guloso e depois adormeceu enquanto a foca mãe mantinha vigilante o filhinho aconchegado em seu colo ou seu corpo. 
            Naquela multidão de focas e foquinhas iguaizinhos, a mãe sabia qual era o seu bebê, conhecia seu cheiro, sabia que era ele ou ela. Isso me remeteu a outra cena de desespero de uma mãe gorila que se arriscou num precipício para salvar seu filho, tarefa dificílima porque poderiam ter morrido os dois, mas ela conseguiu, felizmente.  
            Lembrei-me de notícias de mães que nunca aprenderam a nadar e se atiraram em águas profundas e geladas para salvar seus filhos, de mães que lutaram com tigres, que enfrentaram cães ferozes. Lembrei-me de minha mãe que nunca foi afeita a gestos de carinho (não se usava abraçar salvo no aniversário e no Natal), e abraçou-me naquele medo de me perder quando um carro quase me atropelou. Nunca pude me esquecer daquele seu olhar de imenso terror e depois de alívio, tentando me justificar perante o sujeito que saiu bravo do carro. No momento era tudo de que eu mais precisava nos meus espinhosos treze anos, sofrendo de uma total inadequação à vida. Eu sabia que se no futuro faltasse entendimento entre nós, eu jamais me esqueceria de seu olhar compassivo, pois ela compreendeu minhas angústias na iminência de me perder. Como eu a amei! Vendo o bebê foca com a mãe, lembrei-me de minha mãe me abraçando.
            Também lembrei-me com tristeza daquelas contas de água e embalagens que trazem fotos de crianças desaparecidas. Pensei no desespero de mães que nunca mais encontraram seus filhos. O sofrimento daquelas que perdem os filhos também é devastador, mas uma vez sepultados, é possível que um dia possam dormir tranquilas porque sabem que a história teve um fim, por mais triste que tenha sido. Que dizer daquelas que nunca mais souberam do paradeiro de seus filhotes? que nunca souberam se estariam bem tratados ou sofrendo toda espécie de horror? Nem ouso pensar nisso.
A ligação entre mãe e filho é algo muito além de nossa imaginação ou compreensão. Elas próprias, as mães, não sabem avaliar a magnitude deste elo, apenas o sentem de modo avassalador e surpreendente. Mães são um mistério. Parece que trazem dentro de si verdadeiros exércitos com legiões de soldados preparados em ordem de ataque, vulcões em ebulição, ou tornados que levantam casas, carros e arrancam árvores. É força sobre-humana de amor puro, ousado, incondicional, inigualável, inominável. Dizem que algumas células dos filhos ficam incorporadas ao corpo da mãe e vice-versa. Convém não esquecer que as mães já alimentam seus filhos dentro do útero. Assim, não é de se estranhar que elas sejam capazes de proezas inacreditáveis como levantar carros e nadar quando nunca o fizeram antes, tudo para salvar seus filhos.

Tudo bem quando tudo acaba bem. Oxalá todas as mães do mundo pudessem salvar seus filhos de todos os perigos, mas nem sempre é assim. A reportagem da TV dizia que muitos bebês focas acabam sendo pisoteados pelos machos que sequer os veem ou morrem de fome e sede. E as mães focas continuam procurando por eles incansavelmente até que se dão conta de que não vai ser mais possível salvá-los. É da vida. Vamos seguindo ... 

Um comentário:

  1. Misinha, a idade tá me deixando boba e covarde: não tenho coragem de assistir um documentário deste tipo, só se fosse da hora do reencontro da mãe foca com o filhinho em diante. a dor, a morte perpassam o processo de viver, mas... fazer o que, não consigo se tenho que fazê-lo deliberadamente. acho que já enfrentei muitas situações de mortes e perdas violentas, por isso prefiro agora, promover a vida e deixar as cenas evitáveis, pelo menos aos meus sentidos... parabéns pela descrição que emociona e pela sua coragem! eu mulherona deste tasmanho, perco pra minha querida e mignon, misinha!

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