Uma noite dessas, eu já me preparava
para dormir quando mudando o canal da TV
dei com o “Animal Planet”. Parei. Algo prendeu minha atenção. Era uma
praia com milhares e milhares de focas. Machos, fêmeas e filhotes. Alguns de
barriga pra cima, outros se arrastando, parecia não haver um único lugar vago
em que não houvesse uma foca. A reportagem mostrava uma mãe foca angustiada,
desesperada, que por um ínfimo momento de negligência deixou o filhote passear
e o perdeu. Ela saiu a procurar por seu bebê e ele também andava a esmo,
perdido sem a mãe. De quando em quando ela soltava um grunhido de dor, cheirava
a areia procurando identificar naquele infinito de focas o cheiro do próprio filho.
Em vão. O filhote também cheirava o chão, subia em cima de outra foca que o
repelia, pois não era o seu filhote, vá entender, coisas da natureza. O
filhotinho também soltava grunhidos de medo e angústia e já apresentava sinais
de exaustão, desidratação e fome. Quando eu já me preparava para passar horas
insones de aflição e dor, eles se reencontraram. Cena linda e divina! A mãe alcançou
o pequeno e abraçou-o com aqueles braços e mãos de foca, e o filhote se enrodilhava
nela como se saciando de amor e proteção da mãe. Imediatamente começou a mamar
guloso e depois adormeceu enquanto a foca mãe mantinha vigilante o filhinho
aconchegado em seu colo ou seu corpo.
Naquela multidão de focas e
foquinhas iguaizinhos, a mãe sabia qual era o seu bebê, conhecia seu cheiro,
sabia que era ele ou ela. Isso me remeteu a outra cena de desespero de uma mãe
gorila que se arriscou num precipício para salvar seu filho, tarefa dificílima
porque poderiam ter morrido os dois, mas ela conseguiu, felizmente.
Lembrei-me de notícias de mães que
nunca aprenderam a nadar e se atiraram em águas profundas e geladas para salvar
seus filhos, de mães que lutaram com tigres, que enfrentaram cães ferozes.
Lembrei-me de minha mãe que nunca foi afeita a gestos de carinho (não se usava
abraçar salvo no aniversário e no Natal), e abraçou-me naquele medo de me
perder quando um carro quase me atropelou. Nunca pude me esquecer daquele seu
olhar de imenso terror e depois de alívio, tentando me justificar perante o
sujeito que saiu bravo do carro. No momento era tudo de que eu mais precisava
nos meus espinhosos treze anos, sofrendo de uma total inadequação à vida. Eu
sabia que se no futuro faltasse entendimento entre nós, eu jamais me esqueceria
de seu olhar compassivo, pois ela compreendeu minhas angústias na iminência de
me perder. Como eu a amei! Vendo o bebê foca com a mãe, lembrei-me de minha mãe
me abraçando.
Também lembrei-me com tristeza daquelas
contas de água e embalagens que trazem fotos de crianças desaparecidas. Pensei
no desespero de mães que nunca mais encontraram seus filhos. O sofrimento daquelas
que perdem os filhos também é devastador, mas uma vez sepultados, é possível
que um dia possam dormir tranquilas porque sabem que a história teve um fim,
por mais triste que tenha sido. Que dizer daquelas que nunca mais souberam do
paradeiro de seus filhotes? que nunca souberam se estariam bem tratados ou
sofrendo toda espécie de horror? Nem ouso pensar nisso.
A
ligação entre mãe e filho é algo muito além de nossa imaginação ou compreensão.
Elas próprias, as mães, não sabem avaliar a magnitude deste elo, apenas o
sentem de modo avassalador e surpreendente. Mães são um mistério. Parece que
trazem dentro de si verdadeiros exércitos com legiões de soldados preparados em
ordem de ataque, vulcões em ebulição, ou tornados que levantam casas, carros e
arrancam árvores. É força sobre-humana de amor puro, ousado, incondicional,
inigualável, inominável. Dizem que algumas células dos filhos ficam
incorporadas ao corpo da mãe e vice-versa. Convém não esquecer que as mães já
alimentam seus filhos dentro do útero. Assim, não é de se estranhar que elas
sejam capazes de proezas inacreditáveis como levantar carros e nadar quando
nunca o fizeram antes, tudo para salvar seus filhos.
Tudo
bem quando tudo acaba bem. Oxalá todas as mães do mundo pudessem salvar seus
filhos de todos os perigos, mas nem sempre é assim. A reportagem da TV dizia
que muitos bebês focas acabam sendo pisoteados pelos machos que sequer os veem
ou morrem de fome e sede. E as mães focas continuam procurando por eles
incansavelmente até que se dão conta de que não vai ser mais possível
salvá-los. É da vida. Vamos seguindo ...
Misinha, a idade tá me deixando boba e covarde: não tenho coragem de assistir um documentário deste tipo, só se fosse da hora do reencontro da mãe foca com o filhinho em diante. a dor, a morte perpassam o processo de viver, mas... fazer o que, não consigo se tenho que fazê-lo deliberadamente. acho que já enfrentei muitas situações de mortes e perdas violentas, por isso prefiro agora, promover a vida e deixar as cenas evitáveis, pelo menos aos meus sentidos... parabéns pela descrição que emociona e pela sua coragem! eu mulherona deste tasmanho, perco pra minha querida e mignon, misinha!
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