terça-feira, 9 de junho de 2020

EM BUSCA DE UMA FOTO OU DE UMA GAROTA




A nossa mente, nossos pensamentos, também os sentimentos e desejos fazem os seres que somos. Sempre fiquei muito impressionada com a questão do desejo. Se você deseja algo com todo o seu coração, se você vive motivado por um desejo que não deixa você por nada, o que você deseja virá ao seu encontro mais cedo ou mais tarde. Mas para isso você terá que desejar com ar dor, sentirá este desejo como um espinho na carne, a pedrinha no sapato, a mosquinha que passa em frente aos seus olhos e que você, em vão, passa a mão para espantá-la. É o desejo forte. Evidentemente que falo de desejos possíveis, contudo, vale para os impossíveis também.  
Há alguns dias recebi um presente maravilhoso. A acompanhante de minha tia me enviou pelo zap uma foto. Olhei, aumentei e era a foto que esperei por mais de cinquenta anos. A foto que sempre desejei ver. Evidentemente que eu não pensava nisso todos os dias, todas as horas, todos os instantes. Não. Mas pensava sempre, de tempos em tempos me vinha aquele desejo de me ver em uma tal foto. Que foto? Explico: Não é segredo que sofri muito quando nos mudamos de Pedralva. Para os meus doze anos, para a menina que já se sentia mocinha ou como a mocinha que ainda se sentia menina foi uma perda devastadora. Confirmo que se alguém me perguntar qual foi o dia mais triste de minha vida, sem sombra de dúvida que direi: o dia da mudança de Pedralva.
Pouco tempo antes de nos mudarmos, fui convidada ou devo ter me oferecido, já não me lembro, para “desfilar” com a bola de vôlei à frente das jogadoras em algum jogo do passado lá no Ginásio São Sebastião de Pedralva. Daquele evento restaram lembranças que me acompanharam por esses anos todos. Quando surgiu a página do Face “Pedralvenses Ausentes”, sempre que a Alda postava fotos dos jogos de vôlei, meu coração batia forte porque eu pensava, quem sabe é esta foto em que eu menina estou. Mas nunca era. Na verdade, eu nem sabia se existia alguma foto, podia ser que não, mas geralmente fotos eram tiradas antes ou depois dos jogos em questão. Sinceramente eu não me lembrava. O que eu sempre trazia comigo eram coisas esparsas como brumas em sonhos.

Nunca joguei vôlei. Se participei daquela foto foi unicamente pelo desejo de jogar, achava aquelas meninas fantásticas, aqueles gritos, aqueles pulos. O gosto da vitória, enfim, bem que eu gostaria de ter jogado. Desfilar como “mascote” à frente do time com a bola já era demais para minha cabeça. Exibida, sempre fui. Eu tinha que me apresentar com um saiote pregueado. Minha mãe era costureira, mas se recusou veementemente a fazer o tal saiote. Onde já se viu, Maria Luiza, com as pernas de fora! Você já não é criança! Que escândalo! Então eu pedi pra Dita que era ajudante da mamãe, ao que ela respondeu: se dona Zezé deixar eu faço! De costas para nós em sua máquina, minha mãe deu de ombros como quem quis dizer: se a Dita quiser, ela faz, eu não faço.
Por que falo tanto nesta foto? Por insisto tanto na tal foto? Não sei, talvez porque tenha sido minha última foto em Pedralva. A última prova de que realmente eu vivi aquela minha infância num tempo feliz, perdido para sempre. Minha infância dava seus últimos suspiros e em breve minha vida iria dar um giro de 360 graus. Daí por diante eu iria computar perdas e lágrimas sem fim. Como eu sofri, como eu chorei. Coitada da mamãe, que trabalho teve comigo! Eu e Proust sempre em busca do tempo perdido!
Como as fotos das jogadoras foram praticamente todas exibidas e eu não estava lá, talvez não houvesse foto. Mas eu continuava secretamente desejando ver aquela foto. Que coisa. Nos dias que antecederam a chegada da foto, eu havia pensado nela e com uma dor pungente. Aquele espinho voltava a me espetar. Meu inconsciente sabia que existia e ela chegou às minhas mãos por uma pessoa que nunca esteve em Pedralva.
O desejo é algo grandioso. Nesta vida carregamos uma bagagem de desejos e sonhos aparentemente impossíveis. A Alda vai tentar melhorar a qualidade da foto e eu vou tê-la em minha sala, em meu quarto ou talvez no meu cantinho do computador, do meu coração. E vou olhar para ela todos os dias e feliz, vou poder dizer: finalmente menina, até que enfim nos encontramos.      

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