quinta-feira, 25 de junho de 2020

TEMER A MORTE OU SENTIR PENA DE MORRER



Outro dia conversava com uma prima sobre um episódio em que Saramago conta em seu livro “As Pequenas Memórias”. Disse ele que estava com sua avó, os dois sentados “na soleira da porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas”, quando sua avó disse, com a serenidade de seus noventa anos:   “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”.
Ela era uma mulher simples, pobre, uma camponesa, sem qualquer estudo, no entanto, ela tinha tudo o que cada ser humano precisaria ter: encanto pela vida. E quando ela falou isso é porque estava admirada pela beleza da noite, pelo céu repleto de estrelas. Certamente ela sempre se sentava ali na soleira de sua porta e nunca havia se cansado de admirar a beleza do mundo. Sabia que com noventa anos, chegava no outono da vida, ou seja, próxima da morte e ela não tinha queixas de sua vida, tampouco medo da morte. Tinha apenas pena de morrer.
E nós? Sentimos pena de morrer ou medo de morrer? E uma coisa é bem diferente da outra. Todos vamos partir e quase todos dizem que o que temem não é propriamente a morte, mas a doença, a dependência, o sofrimento. É. É verdade, embora a morte, sendo uma desconhecida, assusta sim. Tudo o que é desconhecido assusta. É humano.
De qualquer maneira o fantástico para mim é uma pessoa chegar a uma idade avançada com lucidez, simplicidade, serenidade e encanto pela vida a tal ponto de sentir pena de morrer por não ver mais a beleza do mundo. Quanto mais nos intelectualizamos, quanto mais adquirimos conhecimento, acabamos por temer a morte. O sábio não é aquele que acumula conhecimentos, é aquele que é feliz em sua simplicidade e assim pode desfrutar da beleza do mundo e da vida.
Alguém poderá me contestar: ah mas ela tinha saúde, não era dependente fisicamente, não perdeu nenhum filho. Bem, aí complica pra mim. Recorro à minha Mestra Santa Teresa de Ávila. Ela dizia que podemos ser felizes cá nesta vida se fizermos a vontade de Deus, coisa fácil na teoria, mas dificílimo na prática. Já entreguei prontamente minha vontade a Deus e já tomei de volta mais de mil vezes.
Não sabemos entregar. Santa Teresa insistia que a medida de Deus é a medida de nossa entrega. Deus não abandona quem se entrega verdadeiramente a Ele. Já nos ensinava Jesus na Oração do Pai Nosso: Venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa Vontade assim na terra como no Céu. Santa Teresa dizia que Jesus colocou essas duas petições juntas porque uma dependia da outra. Temos medo de entregar nossa vontade a Deus e Ele nos mandar sofrimentos. Sim, mas tem um porém: juntamente com os sofrimentos Ele nos dará Seu Reino ainda aqui na terra e quem prova de Seu Reino ainda aqui na terra é feliz, mesmo com sofrimentos.
Outra coisa que minha Mestra diz: a Vontade de Deus há de se cumprir, quer queiramos ou não, portanto, fazei da necessidade uma virtude, palavras dela. Vamos aprender a entregar nossa vontade a Ele e receber em troca presente tão precioso como o Reino de Deus ainda aqui na Terra.  
Bem, para não me alongar, já tendo me alongado tanto, encerro com uma observação: sou humana, ainda vivo cá na terra, tenho medo de sofrer e tenho medo de morrer, tenho muito a aprender. Mas paralelamente sou encantada com a beleza do mundo que Deus nos deu, o céu, o firmamento, a lua, o mar, as flores, a chuva, os gatinhos, os cães e tudo o mais que não caberá neste texto. Deus me pega forte pela natureza e pelos animais. E se aqui é tão bonito, já pensou o Céu?
A avó de Saramago deve estar admirando a beleza do Céu que é infinitamente maior do que a beleza deste mundo.      


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