Sempre
convivemos bem, eu e a celulite. Ela, bem longe de mim. Eu a conhecia de outras
mulheres. Vista assim de longe, eu sempre achei feio, mas não era comigo, então
eu não sentia na pele. Quando as mulheres reclamavam perto de mim, eu dizia,
“bobagem, toda mulher tem”. Aí me chamavam atenção, “você não tem”. E eu fazia
um ar bobinho de sem graça. É fato, eu não tinha celulite até os quarenta e
tantos.
Eu
era lisinha, firminha, bonitinha. E sinceramente eu achava que nunca teria
celulite. Por volta dos cinquenta, a coisa foi degringolando, mas era pouco. Assim
mesmo, batalhei contra ela. Fiz isso, mais aquilo, bota gesso, corrente russa,
mandei vir do Canadá uns cremes sofisticados. Prometi a mim mesma que a
venceria. Bem, batalhar contra a celulite é uma luta inglória! Para ganhar eu
teria que amanhecer e dormir na estética, ganhar três vezes mais e ser muito
persistente. Teria que mudar minha alimentação, fazer exercícios a contento.
Ah, envelheci, dá licença? Quero curtir mais a vida, me dar ao luxo de comer
doce, de ficar de bobeira, exercício físico, tá bom, a gente precisa, mas nem
tanto.
Enfim,
eu ainda batalhava, mas acabei apelando para uns cremezinhos mais baratinhos, numa
ilusória esperança de que a celulite não aumentasse, quem sabe né? Capaz! Qual
o quê? Depois dos sessenta fui covardemente massacrada e vencida pela celulite.
Foi ladeira abaixo. Eu me olho no espelho e digo: ah Misa, que feiura! Aí a
outra de mim fala pra mim: azar Misa, não tô nem aí. Já tenho idade, deixa
rolar, há outras belezas a serem cuidadas, inclusive a beleza interior. Ah, mas
eu queria ser como era antes. Impossible! Eu me rendi. Não se pode vencer toda
guerra. Todo mudo envelhece. A gente pode e deve ficar bem cuidada, mas jovem
nunca mais.
Meu
marido me consola dizendo que se eu fosse uma alienígena reptiliana eu não
precisaria ficar preocupada com massagens ou cremes caros, pois o casco de
réptil é imune à celulite. Prefiro a celulite. Ele, sempre carinhoso, ainda
diz: deixa de ser enjoada, uma celulitizinha de nada! Quem ama, ama! Tá
barrigudo, mas é feliz! É que homem é diferente de mulher.
Sou
vaidosa, confesso. Não queria ser, mas sou. Há muitos anos conheci uma
fisioterapeuta que me atendia. Ficamos amigas, e admirada, percebi que em seu
cantinho simples, quase espartano, não havia enfeites, sequer um espelho! Ela riu muito, me contou que sua mãe veio
visitá-la e ficou brava com ela, por sua falta de vaidade. Senti uma santa
inveja, se é que a inveja pode ser santa. Queria ser despojada assim, mais
livre, sem querer me ver de perfil, coisas de mulher vaidosa. Acho bonito,
honestamente.
A
gente vai aprendendo. A idade chega e ensina. Ainda bem.
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