Meu marido me chama à janela. Além da beleza de uma amostra ao longe de nossa Mantiqueira, eis que vejo no terreno em frente um homem “fazendo” dois golfinhos de cimento. Não vimos o início da arte. Os golfinhos já estavam cobertos de cimento que o artesão alisava aqui e ali. Não é qualquer pessoa que saberia fazer uma arte dessas. O cara é um artista, um artesão trabalhando num trabalho lindo. Para onde vão os golfinhos de cimento? Não faço a menor ideia. Como o prédio em construção ao lado do nosso terá uma piscina, provavelmente os golfinhos irão para lá. Agora já estão pintados de azul. Um amor!
Tenho
loucura por golfinhos. Há muitos anos estive passeando em Fernando de Noronha
quando tudo lá era agreste, sem um único hotel. Quando íamos de barco para o
mar, os golfinhos nos acompanhavam o tempo todo na maior alegria. Eu não quis
nadar com eles, tive medo. Enquanto o pessoal todo desceu ao mar eu fiquei
sozinha olhando. Pois não é que um golfinho se enamorou de mim? Ele deixou a
turma toda e veio por a carinha para dentro do barco a todo instante como se
não quisesse me deixar sozinha. Ora vinha por um lado do barco, ora pelo outro
lado. Muito fofo!
Meu
marido foi tratar da vida e eu fiquei ali olhando, e meu pensamento, minha
imaginação alçando voo. Quem seria este homem artista? Como seria sua vida?
Provavelmente ele, em casa, teria dito à sua mulher na hora da janta: mulher,
estou fazendo dois golfinhos! E ela daria de ombros enquanto atendia a um filho
ou mais. Sim, eles teriam filhos. E o filho mais velho que teria puxado mais ao
pai, se interessou pelo assunto: Como pai? Dois golfinhos? De cimento? E o pai
orgulhoso: Sim, vou te levar lá pra ver.
Estou
imaginando um casal feliz, com filhos saudáveis e felizes. Tudo por conta da
sensibilidade que julgo que o artesão tem. Como fazer golfinhos tão lindos sem
sensibilidade? Estou até arriscando que mais tarde da noite, quando as crianças
dormem, o artesão e a mulher trocam juras de amor.
Não é tão
simples assim. Feliz do artesão que ainda está empregado porque há muitos que
não. A vida está difícil e ainda tem a pandemia para piorar tudo. Ele pode ter
chegado em casa e encontrado a mulher de mau humor. Ela teria reclamado
dizendo: estou precisando de uma panela nova e ele até hoje nada! E os meninos
estão precisando de sapatos. E o homem, como tem sensibilidade, porque quem faz
golfinhos é sensível à flor da pele, esperou que a mulher se arrependesse dos
maus humores, e lhe fez um carinho nos cabelos, desmanchando o penteado e a
cara feia.
Vai que
não é nada disso. Vai que o artesão é solteiro e que depois de esculpir os
golfinhos ele vai para casa, entra no Facebook, faz suas postagens, brinca com
os amigos, toma uma cerveja e vê TV.
Mas eu,
sinceramente, fico torcendo pra que ele tenha um amor, que seja feliz com este
amor, que tenha filhos bagunceiros e alegres. Sim, e de tardezinha ele vai pra
casa. Na hora de dormir, ele abraça seu amor e diz: um dia nós vamos passear no
mar e nadar com os golfinhos. Eles são tão risonhos! Você vai adorar!
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