sexta-feira, 26 de março de 2021

O ARTESÃO DE GOLFINHOS

 

Meu marido me chama à janela. Além da beleza de uma amostra ao longe de nossa Mantiqueira, eis que vejo no terreno em frente um homem “fazendo” dois golfinhos de cimento. Não vimos o início da arte. Os golfinhos já estavam cobertos de cimento que o artesão alisava aqui e ali. Não é qualquer pessoa que saberia fazer uma arte dessas. O cara é um artista, um artesão trabalhando num trabalho lindo. Para onde vão os golfinhos de cimento? Não faço a menor ideia. Como o prédio em construção ao lado do nosso terá uma piscina, provavelmente os golfinhos irão para lá. Agora já estão pintados de azul. Um amor!

Tenho loucura por golfinhos. Há muitos anos estive passeando em Fernando de Noronha quando tudo lá era agreste, sem um único hotel. Quando íamos de barco para o mar, os golfinhos nos acompanhavam o tempo todo na maior alegria. Eu não quis nadar com eles, tive medo. Enquanto o pessoal todo desceu ao mar eu fiquei sozinha olhando. Pois não é que um golfinho se enamorou de mim? Ele deixou a turma toda e veio por a carinha para dentro do barco a todo instante como se não quisesse me deixar sozinha. Ora vinha por um lado do barco, ora pelo outro lado. Muito fofo!

Meu marido foi tratar da vida e eu fiquei ali olhando, e meu pensamento, minha imaginação alçando voo. Quem seria este homem artista? Como seria sua vida? Provavelmente ele, em casa, teria dito à sua mulher na hora da janta: mulher, estou fazendo dois golfinhos! E ela daria de ombros enquanto atendia a um filho ou mais. Sim, eles teriam filhos. E o filho mais velho que teria puxado mais ao pai, se interessou pelo assunto: Como pai? Dois golfinhos? De cimento? E o pai orgulhoso: Sim, vou te levar lá pra ver.

Estou imaginando um casal feliz, com filhos saudáveis e felizes. Tudo por conta da sensibilidade que julgo que o artesão tem. Como fazer golfinhos tão lindos sem sensibilidade? Estou até arriscando que mais tarde da noite, quando as crianças dormem, o artesão e a mulher trocam juras de amor.

Não é tão simples assim. Feliz do artesão que ainda está empregado porque há muitos que não. A vida está difícil e ainda tem a pandemia para piorar tudo. Ele pode ter chegado em casa e encontrado a mulher de mau humor. Ela teria reclamado dizendo: estou precisando de uma panela nova e ele até hoje nada! E os meninos estão precisando de sapatos. E o homem, como tem sensibilidade, porque quem faz golfinhos é sensível à flor da pele, esperou que a mulher se arrependesse dos maus humores, e lhe fez um carinho nos cabelos, desmanchando o penteado e a cara feia.

Vai que não é nada disso. Vai que o artesão é solteiro e que depois de esculpir os golfinhos ele vai para casa, entra no Facebook, faz suas postagens, brinca com os amigos, toma uma cerveja e vê TV.

Mas eu, sinceramente, fico torcendo pra que ele tenha um amor, que seja feliz com este amor, que tenha filhos bagunceiros e alegres. Sim, e de tardezinha ele vai pra casa. Na hora de dormir, ele abraça seu amor e diz: um dia nós vamos passear no mar e nadar com os golfinhos. Eles são tão risonhos! Você vai adorar!

 

 

 



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