Participei de um concurso e fui selecionada entre os finalistas. Ocorre que não percebi no regulamento que só poderiam participar os candidatos que não tivessem livros publicados. Fui desclassificada, muito justo. O tema era escrever uma carta para um escritor famoso, vivo ou falecido, que fosse o autor de uma obra que nos tivesse emocionado de tal forma que passasse a ser um de nossos livros prediletos. Aqui vai minha carta:
Quando
li seu livro SÃO BERNARDO, senti minha sensibilidade subir às alturas, tocada
no mais profundo do meu ser. Fui lançada acima dos ares, dos mares, vislumbrei
toda a Terra, todos os mares e montanhas. Entrei dentro dos mais recônditos
cantos do meu interior, fisicamente e espiritualmente, conheci um tanto de mim
que até então desconhecia. Fiquei mexida, descobri que é possível um escritor
transformar a vida de uma pessoa escrevendo um livro.
Lendo
SÃO BERNARDO, senti que eu era um pouco o protagonista PAULO HONÓRIO e um pouco
os que rejeitaram a empreitada de publicar um livro autêntico, cheio de
verdades que ninguém suporta. Entendi que o livro de nossa vida contada
exatamente como foi e como é, é difícil, pois uma coisa é viver e outra é ler o
que se viveu. Ninguém suporta as verdades incontestáveis, não, ninguém suporta.
Entendi
que se uma pessoa escolheu escrever, ela já não poderá ser escondida. Não há
como escrever escolhendo palavras porque as palavras, as frases, os parágrafos
e toda a história já estão dentro do autor, já correm em suas veias, em seu
respirar, em suas lágrimas, em seus sonhos, em suas muitas tristezas e poucas
alegrias. Um autor sempre contará a história de sua vida, de um jeito ou de
outro, senão ela toda, talvez pedaços. Um autor sempre escolherá personagens
para fazer seu papel, porém sempre será ele, o autor.
Olha,
eu amei o PAULO HONÓRIO. Amei sua história triste e real. Amei suas
impossibilidades, amei sua ternura para sempre massacrada, amei sua
simploriedade, sua coragem, sua solidão, seu ser do jeito que era, do jeito que
o fizeram, do jeito que a vida o tratou e o obrigou a ser. Havia ternura dentro
dele, ternura que fora destruída, mas que ainda assim permanecia tentando
escapar pelos poros. A brutalidade encobria a ternura. E ele bem que tentou. Ao
fim, PAULO HONÓRIO conclui que é “um homem incapaz de imaginação, e as coisas
boas que mencionara vinham destacadas, nunca se juntando para formar um ser
completo.”
“Fiz
aquilo porque achei que devia fazer aquilo. E não estou habituado a
justificar-me, está ouvindo?” Caro Graciliano, essa frase de Paulo Honório fez-me
lembrar de meu pai, que era um homem pacato, bom, educado ao extremo. Certa
vez, ele perdeu as estribeiras quando instigado e se mostrou como era por
dentro, pôs para fora o verdadeiro, o escondido, o que fora ensinado a ser
assim para agradar a todos. Até que enfim uma rebeldia se mostrava. E ele disse
sua verdade, “fiz porque fiz e pronto”.
Agora,
Graciliano, entendo suas palavras quando disse em uma carta para sua irmã que
escrever é sangue, é carne, e que além disso, não há nada. E mais ainda, que
nossas personagens são pedaços de nós mesmos, e que só podemos expor o que
somos. É a grande verdade.
Obrigada
Graciliano por escrever um livro tão humano, tão verdadeiro porque não é uma
história de bandidos e mocinhos, é uma história de gente, é uma história de vida
real, de vida como ela é, para uns, fácil, para outros muito difícil. No final
todos se igualam mesmo.
Obrigada
pela sinceridade de PAULO HONÓRIO, que ao ter a primeira discussão com
Madalena, oito dias depois do casamento, confessa para si mesmo: “A culpa foi
minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste”.
E em outra passagem: “Agitam-se em mim sentimentos inconciliáveis:
encolerizo-me e enterneço-me; bato na mesa e tenho vontade de chorar”.
Obrigada
pela beleza dessas confissões, pela minha sensibilidade exacerbada ser
plenamente satisfeita por este livro. Assim é que os livros deveriam ser. Mais
do que a psicanálise, os livros deveriam ser capazes de transformar a vida da gente.
A
você, GRACILIANO RAMOS, minha gratidão infinita.
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