quarta-feira, 12 de outubro de 2022

DIVAGAÇÕES NA CADEIRA DO BARBEIRO


 

Já não frequento mais salões de cabeleireiro há um bom tempo. Vinha eu apressadamente   no último verão, me consumindo de cansaço e suor, quando dei com minha imagem numa porta espelhada: suspirei aborrecida com a imagem de meus cabelos. Aquela franja longa e pesada já estava me dando nos nervos. Qualquer hora corto tudo curtinho, pensei comigo. Foi aí que passei em frente a um barbeiro, barbeiro mesmo de cortar cabelos e bigodes de homens. É hoje! Entrei decidida e perguntei ao simpático rapaz: você cortaria meu cabelo? Ele titubeou, quis dizer que não, mas acabou assentindo, talvez pelo desespero estampado em meu semblante. Adorei. Virei freguesa e minha irmã também.

Pois bem, da última vez viajei no pensamento enquanto “Maicon” ia cortando mechas brancas que logo cobriram o chão. Eu trazia o celular à mão como todo ser vivente moderno e logo mostrei pra ele uma foto antiga de meu cabelo que estava do jeito que eu mais gostava e pedi meio sem jeito se ele podia fazer igual. Mas o problema é que o cabelo nunca sai igual, talvez parecido, igual não. Fiquei pensando por que é que não. Tá bom, um profissional é diferente de outro, cada um tem um jeito de cortar, certo, mas você pode ir no mesmo cabeleireiro várias vezes e o cabelo vai sair diferente de cada vez. Não adianta levar fotos, afinal, nós nunca somos os mesmos seres de ontem. 

Talvez nossa expectativa quanto ao cabelo seja mais profunda do que possamos imaginar. Desejamos algo que não se limita ao exterior e às vezes nem sabemos realmente o que é. Simplesmente projetamos no cabelo este desejo que misteriosamente nos acomete. Sentar na cadeira de um barbeiro ou de um cabeleireiro traz um simbólico de mudança. Também há que considerar que não somos mais as mesmas, mudamos a cada dia, a cada hora, a cada estação. O branco já não é tão branco, os fios podem ter engrossado ou afinado um pouco, aquela franja traz lembranças de anos atrás e inconscientemente me cobra sentimentos diferentes do que tenho agora.

Será que não viajei demais? Por que tenho sempre que trazer tantas elucubrações malucas? O cabelo dificilmente sai igual, pronto. Ponto pacífico. Sou complicada assim mesmo, e à medida que as mechas vão voando para o chão, meu olhar se queda perdido em pensamentos e lembranças difusas. A porta do inconsciente se abre e eu relaxo deixando as tensões se dissiparem. Tudo bem. Enquanto eu me limitar a querer cabelos iguais aos que outrora tive, nada demais. O pior será quando eu carregar fotos de artistas e cantoras novinhas para meu barbeiro copiar. Isso não. Aí o caso será mais sério.

De qualquer maneira agradeço aqui a gentileza de Maicon Douglas, um perfeito Edward Mãos de Tesoura, ao cortar habilidosamente minhas madeixas me permitindo viajar em divagações mil. Freud que o diga!           

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário