Acordei
mais cedo que o habitual. Senti que era um dia diferente. Os ruídos de fora
eram estranhos. Abri a janela e vi as ruas de minha cidade repletas de pessoas
agitadas. Gente que falava, gesticulava e esboçava sorrisos estranhos, com
caretas incrédulas. Outra enchente de lama? Aqui também? Não, o tempo é de
chuva, graças a Deus, mas nem tanto. Foi então que soube. Liguei a televisão, e
estarrecida assisti ao noticiário que explodia em plantões nervosos. Desceu do
Céu um emissário especial trazendo uma ordem suprema, divina e misteriosa que mudaria
todo o destino do país.
De
agora em diante não mais teríamos presidente, governadores, ministros, senadores,
deputados, chefes de gabinetes, secretários, secretários de secretários,
prefeitos, vereadores, assessores, assessores de assessores, tampouco partidos
políticos. O país, seus estados e cidades seriam agora governados por um
conselho de cidadãos, filhos da pátria, voluntários, cujas únicas condições
para exercer seus cargos seriam a HONESTIDADE e o AMOR por sua terra e por sua
gente. Os salários dos políticos, até então, inacreditáveis e inimagináveis
fortunas que fariam inveja ao pobre tio Patinhas, e fariam corar a nababesca
corte francesa de Maria Antonieta e sua turma, seriam destinados para creches,
educação, saúde, estradas, construção de vias férreas e outras necessidades
reais da população. Os funcionários remunerados seriam aqueles que trabalhassem
de fato, gente comum. E também aqueles que tivessem por função a verdadeira
utilidade pública, como limpeza das cidades, jardinagem, ensino público, enfim,
a administração necessária em geral. E semanalmente, os membros do conselho
federal, estadual e municipal se juntariam a esses servidores para pessoalmente
e efetivamente por a mão na massa, ou seja, cuidar de sua amada terra.
Todos
os políticos e afins ladrões cumpririam pena de prisão perpétua e eterna, com
tornozeleiras, braçadeiras e o diabo a quatro que os manteriam trancafiados
para sempre, ou melhor, passariam o resto da vida limpando o Rio Doce, o oceano
e cidades atingidas pela lama tóxica e a lama moral.
Os
partidos políticos estavam extintos. O conselho agora seria composto por
cidadãos que tomassem um único partido, o da solidariedade. Incrivelmente, logo
surgiram pessoas para o conselho voluntário. Aposentados, estudantes, homens,
mulheres, jovens e velhos, todos imbuídos do ideal de bem conduzir o país e as
cidades para o progresso e harmonia. Afinal, um país sem presidente, estados sem
governadores, cidades sem prefeito? Sem secretários, sem vereadores? Seria
possível? Anarquia? Fim do mundo? Utopia? Loucura geral?
Não,
não, apenas um sonho. Acordei novamente. Olhei pela janela e vi engarrafamentos
e pessoas que se arrastavam sob o peso da triste e corrupta realidade
brasileira. Olhei para a televisão e assisti às mais incríveis e criativas
notícias de corrupção, ao duelo entre políticos bandidos que se digladiam sem
se preocupar nem um instante com a pobre população. É, é tempo de oração.
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