No ano que vem
Ah! ... Eu vou ser feliz
Do jeito que eu sempre quis...
E mais um ano se vai e mais um ano
que vem. Como todos os anos, já refeitos
do sentimentalismo natalino, vamos nos vestir de branco, erguer taças de
champanhe, trocar votos de felicidades, estabelecer novas metas e abrigar no
coração a esperança para tempos melhores. Faz-se um breve intervalo de euforia que
culmina com o baile de réveillon onde
dançamos, comemos e bebemos, como se a vida fosse uma eterna festa! E que seja
pelo menos no último dia do ano! No dia
seguinte, um desconfortável silêncio se instaura como um prenúncio de realidade
com gosto de depressão e ressaca. A correria de fim de ano vem ao encontro da aceleração
planetária, expressão já na moda que traduz essa ansiedade generalizada que
oprime de tal forma as pessoas que não dá a elas a chance de refletir sobre a
vida, antes, obriga-as a vivê-la impetuosamente, passando a falsa impressão de
que o dia de amanhã tem que ser vivido hoje, pois o hoje não foi vivido a
contento, aliás, o mais apropriado seria falar em insatisfação planetária
acelerada. Afinal, donde vem tanta insatisfação, essa sensação amarga de falta,
de ausência?
Será que esse sentimento de incompletude
apareceu depois que o homem, que bem o diga Freud, passada a arrogância de seu narcisismo,
deparou-se com a fragilidade de sua, até então, indiscutível e pretensa
onipotência? Primeiro, descobriu que a Terra não era o centro do Universo, depois
que sua natureza não era assim tão diferente da dos animais e por fim, que ele
não era o senhor de sua própria casa, ou seja, havia uma grande parte da sua
mente que ele não conhecia e não podia controlar. Solapadas, assim, as bases
humanas, restou ao homem viver imprecisamente. Numa tentativa obstinada de
controle, o homem sempre retoma e retorna ao leme, nutrindo-se de uma teimosa
ilusão de que ele é quem manda e conduz. Doce ilusão, ledo engano! O rio corre
mesmo é sozinho. Mas o homem é assim desse jeito, é da essência humana achar
que pode tudo.
Mas,
enfim, como ser feliz nessa imprecisão e ausência de garantias? Como aquietar as ruidosas e dramáticas
emoções se elas nos lembram continuamente de que caminhamos num tênue fio a
milhares de metros do chão? Felicidade não tem fórmula nem receita, cada um que
descubra a sua, talvez “só mesmo em raros momentos de distração”, como disse Guimarães
Rosa que sabia de quase todas as coisas. Vamos vivendo, esbarrando na
felicidade aqui e ali, mas ela se esquiva, não se dá por inteira, até parece
querer nos dizer que ela só é plena quando nos esquecemos de persegui-la. Mas é
Ano Novo, então, vamos parar de reclamar, recomeçar aquela dieta, frequentar um
novo curso, sobretudo vamos amar um pouco mais as pessoas, a nós mesmos, os
animais, a natureza, a cidade em que vivemos, o nosso país, o nosso planeta
ferido e carente de amor. Vamos tentar ser mais tolerantes com a direita e com a esquerda.
E
para terminar, lembre-se, somos
apaixonáveis, somos sempre capazes de amar muitas e muitas vezes, afinal de
contas, nós somos o “Amor” (Carlos Drummond de Andrade).
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