Chegamos afobadíssimas, minha irmã e eu
na rodoviária de São Paulo. Aliviadas, verificamos que ainda dava tempo pra um
café. Depois disso, nos sentamos no meio daquelas milhares e milhares de
pessoas que vão e vêm na maior rodoviária da América do Sul. Nem bem sentadas,
eu o avistei. Era um homem ainda jovem que caminhava meio cambaleante e vinha
em nossa direção. Eu disse, “minha irmã,
lá vem mais um, pois era o quarto ou o quinto do dia a nos pedir dinheiro”.
Mais um - menos um para abrir a bolsa e dar uns trocados. Eu sabia. Não deu
outra.
O homem caminhava pesadamente. Trazia
uma mochila velha nas costas. Estava suado e parecia estar bêbado ou talvez tão
cansado que sua lentidão não deixava que fosse direto ao assunto. Era pequeno,
atarracado e musculoso. Sentou-se na ponta do banco. Depois ajeitou a mochila
no chão como se fosse um travesseiro e deitou-se. Nós duas olhando pelo rabo do
olho. Não ficou mais que um minuto e levantou-se. Aí veio. Apresentou-se, ensaiando
um cumprimento dos mais galantes, pedindo nossa mão para beijar como se fosse
tirar a gente para uma dança. As pessoas que estavam por perto olhavam curiosas,
afinal todos adoram um espetáculo desde que não sejam protagonistas. Depois da
apresentação, pediu um real. Minha irmã, sempre paciente e caridosa, sabendo
que poucas pessoas dariam atenção a um homem pedinte e inconveniente, tirou dez
reais, dizendo, “um não, dou dez, o senhor
vá tomar um café com leite e comer alguma coisa”. O homem parecia não
acreditar. Os olhos quiseram marejar, ensaiou um discurso que engoliu e já
estávamos nos preparando para sair em busca de nossa plataforma quando surgiu
um policial, um segurança da rodoviária que se dispôs a nos defender. Enquanto
pedia os documentos ao homem, perguntou se ele estava nos incomodando, ao que
respondemos que não, que tinha sido apenas gentil e foi aí que a coisa mudou de
direção.
O homem se sentiu profundamente insultado
quando o policial nos fez aquela pergunta, como se ele fosse um criminoso. Pedimos
que deixasse pra lá e o policial, um tanto quanto frustrado, já se preparava
para ir embora, quando o pedinte exigiu mostrar os documentos. Abriu a mochila,
ofendidíssimo e apresentou carteira de identidade, CPF, carteira profissional,
até comprovante de residência. Tudo o que o policial queria era encerrar o
assunto, mas o homem insistia, indignado. Dizia que era um cidadão, um
trabalhador, já tinha passagem comprada para o norte de Minas. Enquanto isso as
pessoas assistiam a tudo, dando as mais variadas opiniões. As mulheres, em sua
maioria, tiveram pena e os homens olhavam com desdém e desconfiança aquele
personagem.
Aproveitamos uma brecha e vazamos, como
diz meu sobrinho. Já dentro do ônibus, enquanto esperávamos que o carro
partisse, minha irmã me chamou a atenção para olhar lá fora. O mesmo sujeito
estava deitado na plataforma ao lado. Deitou a mochila no chão, na frente do
ônibus e descansava. Mas, tal como fez conosco, não deu um minuto já se
levantava e agora discutia com o motorista. É, o mundo não tem jeito, a gente
quer consertar e vai ver que é assim mesmo que ele quer ficar. Cada um tem uma
história, embarcamos um pouco tristes, era quase Natal.
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