quarta-feira, 6 de julho de 2016

ANTONIO JOSÉ DA SAMARIA



Era um menino agitado, levado, como se dizia na época, alegre e esperto. Como é que eu podia esquecer? Era negro de cabelos lisos, lindo menino! Olhos brilhantes cheios de vida. Usava uma calça nos joelhos com suspensórios do mesmo tecido. Era criado pela Samaria, sua tia avó, uma mulher acostumada a servir como os antepassados escravos. Ela trabalhava para meu tio, a poucos metros de nossa casa. Antonio José brincava com meus irmãos e sempre dava um jeito de enganar a mãe de criação. Nada grave, apenas desculpas para poder brincar mais. Samaria vinha decidida, pedia licença para minha mãe e levava o menino pela orelha, dizendo, vai ver só quando chegar em casa. Eu morria de pena e implorava para minha mãe não deixá-lo apanhar. Mas isso não era nada.
Numa tarde quente, estávamos todos, irmãos e primos, aproveitando o calor da tarde no quintal de um conhecido nosso. Antonio José também. Foi aí que brigaram, ele e o filho do dono da casa. Coisa pequena, sem importância, fácil de ser contornada. Mas o homem vociferou, perdeu as estribeiras, aproveitou para por o menino para fora e também os preconceitos entalados. Abriu o portão e expulsou Antonio José, cheio de aspereza, com a cara vermelha de raiva. Antonio José teve medo, abaixou a cabeça, não respondeu, foi saindo meio de lado, tentando mostrar que não ligava. Mas ligava sim, fazia um trejeito esquisito com a boca e saiu alquebrado pelo peso da humilhação. Todo mundo ficou no maior silêncio. Eu senti uma tristeza profunda, levantei-me com uma imensa vontade de ir embora. Todos estranharam, por que você vai? Não foi com você. Eu não sabia responder a razão de querer ir embora, ora, eu não sabia que estava sendo solidária, apenas era, e hoje, passados tantos anos, eu fico orgulhosa de mim. Acabou o dia pra mim, era como se tivesse sido comigo. A tarde quente perdeu o encanto e senti um frio no estômago. Fui embora para minha casa como se tivesse cumprido um dever. Minha mãe tinha feito café que eu bebi acompanhado de um pão com manteiga.
Até hoje, quando sinto um nervoso por dentro, me consola um café quente com pão e manteiga. Samaria já deve ter morrido, é lógico, mas por onde andará o Antonio José? Será que se lembra de nós? Será que se lembra daquele dia?



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