sábado, 23 de julho de 2016

PENSE COMO UMA MONTANHA





            Há anos atrás resolvi fazer academia, ou seja, malhar para ficar bonitinha. Pois bem, a personal pegou pesado comigo. Eu achando tudo uma beleza, fazendo proezas com pesos e encantada com o atendimento especial só para mim. E fui fazendo isso e aquilo e até “plataforma vibratória” achei de fazer, seguindo as orientações da moça. Meus joelhos gritaram por socorro, claro né? eu já era “de idade”. Fui ao médico, exames, e até hoje sofro com artrose severa. Bom, mas conversando com meu médico, ele, muito engraçado, muito espirituoso, disse assim: vocês mulheres têm cada coisa! Por que você não faz uma coisa normal, como caminhar ou hidroginástica que é tão saudável? Por que essa inovação de plataforma vibratória? Tudo que inventam vocês fazem sem pensar. Por que não observam a natureza e aprendem com ela? Você já viu alguma vaca (ham?) fazendo plataforma vibratória? Não, não é? A vaca está lá na dela com calma. Observe a natureza. E depois, a idade ...
            E aí coincidiu que folheando um livro, li algo sobre Arne Naess (1912-2009) que disse a seguinte frase: “Pense como uma montanha”. Naess foi um filósofo e ecologista norueguês que propôs uma experiência de “ecologia profunda.” Na verdade, essa noção de pensar como uma montanha é do ecologista norte-americano Aldo Leopold. Ele havia trabalhado como guarda florestal e certa vez atirou numa fêmea de lobo. Nunca mais pôde se esquecer do brilho selvagem que morria nos olhos do animal e então ele percebeu que havia naqueles olhos algo conhecido apenas pela loba e pela montanha onde ela vivia. A proposta que Naess e Leopold fazem é que não reconheçamos somente nossas necessidades, procurando apenas o benefício próprio e imediato, mas que façamos parte da biosfera, não vendo o mundo como algo separado de nós, enfim, devemos descobrir nosso lugar na natureza e perceber nossa responsabilidade para com todos os outros seres vivos.
            A preocupação com a preservação do planeta como nossa casa já vem de longo tempo, talvez desde a Revolução Industrial quando as primeiras nuvens de fumaças começaram a ganhar o céu. Entretanto, são poucos os que realmente se preocupam com a questão. A tendência é sempre pensar que o planeta é muito grande e que há exagero nos alarmes, ou que outros mais preparados darão conta de batalhar sem nosso engajamento, afinal o que podemos fazer é tão pouco que concretamente talvez não faça diferença. Mas faz. Se cada habitante da Terra fizesse o que lhe é possível, muitas batalhas já estariam ganhas. O problema são as empresas poderosas focadas no lucro exorbitante e ignorando qualquer cuidado com o meio ambiente.
            Essa consciência do “eu ecológico” proposta por Arne Naess pode parecer estranha, embora todos sejam capazes de adquiri-la, ampliando uma identificação com o mundo para incluir todo ser vivo. É que há muito que aprender, pois uma coisa é respeitar os animais e árvores, outra conviver com eles como irmãos, como fazia São Francisco. Sempre me lembro de minha prima Lígia que morando no campo, costumava cumprimentar carinhosamente uma galinha ou outra que por vezes entrava em sua casa. Ela não tomava aquela atitude costumeira de enxotar a ave como todos fazem. Conversava com ela como um ser semelhante, o que me divertia, pois achava um tanto bizarro, ora, bizarro era eu já cinquentona torturando meus joelhos numa plataforma vibratória. Também sempre me lembro de seu desconforto quando eu demorava a fechar a torneira. Hoje percebo que minha prima há muito era uma ecologista nata, seu pensamento e seu modo de sentir e viver o mundo era autenticamente genuíno e elevado, pois ela verdadeiramente pensava e pensa como uma montanha, quero dizer, ela se reconhecia como parte da natureza. Isso hoje me comove tanto!
            Arne Naess pregava uma harmonia com o mundo natural, não apenas pela preocupação com a proteção do planeta visando nosso conforto e proveito próprio, mas por uma questão mais elevada, por saber que somos parte desse mundo e ao destruir nosso meio ambiente também destruímos nossa própria vida. As mudanças nesse sentido têm ocorrido gradualmente, quero dizer, o planeta corre perigo, sim, porque não são muitos os que já perceberam o seu eu ecológico. Por outro lado, por necessidade ou realmente por uma mudança de mentalidade, as pessoas vão adotando novos comportamentos, como é o caso de muitos jovens que optam por não terem carro. A vaidade de se ter e exibir um carrão vai ficando para os mais velhos, ainda fixados nessa obsessão. A transformação para adquirir uma consciência ecológica profunda é lenta, mas temos esperança num futuro melhor para que nossos netos e bisnetos possam viver de modo diferente, levando uma vida mais prazerosa em sintonia com a natureza.
            Pensar como uma montanha é adquirir uma consciência ecológica profunda. É aprender que não precisamos de aparelhos sofisticados como “plataformas vibratórias” e sim de caminhadas ao ar livre, de água no corpo, de mais calma com a vida. Meu médico brincava, mas estava certíssimo ao me aconselhar a observar a natureza e o comportamento da vaca. Pense como uma montanha, ou como uma vaca, tanto faz, mas mude. Você é parte deste universo.

             

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