quinta-feira, 31 de março de 2016

A batalha das células beta





Tudo ia muito bem com a produção de insulina, principal fonte do reino de Pâncreas. A rainha estava exuberante. Nunca o rendimento chegara naquele patamar. As células beta mostravam uma performance imbatível. Cheias de energia e força sanguínea, faziam inveja a quaisquer outras células do reino. Era saúde pra dar e vender, trabalhando incansavelmente, sempre felizes e excitadas. Pareciam as "As alegres comadres de Windsor" ou ainda abelhas operárias de uma colmeia zoando freneticamente. Nada como trabalhadores contentes para que um reino cresça e se desenvolva em toda a sua extensão. Entretanto, para que essa harmonia seja possível, os reis e as rainhas também devem estar felizes e radiantes porque esses trabalhadores incansáveis serão sempre o reflexo do comando do reino, fiéis e sujeitos ao estado de espírito de seus monarcas. 
Bem, como a vida não é feita somente de vigor e alegria, chegou o dia em que a rainha foi surpreendida com uma notícia que abalou os alicerces de sua alma. O rei estava apaixonado por uma jovem camponesa de outro reino. A rainha sentiu-se humilhada e traída. Então é assim? Eu, rainha, ajudo o rei a construir o reinado, vivemos e envelhecemos juntos e depois ele se apaixona assim tão fácil por uma moça infinitamente mais jovem? A princípio, a rainha foi tomada por uma ira incontrolável, desabou impropérios para cima do rei e mais tarde foi invadida por uma amargura e tristeza tão profundas que em poucos dias ela parecia outra pessoa. O rei não se importou. Perdera a cabeça pela jovem e mandou o reino para as cucuias. Diante do espelho, a rainha, inconformada, se perguntava por onde andava aquela soberana feliz e cheia de força de outrora. Naquele dia, reino e rainha ruíram.
As células beta, as fiéis escudeiras e trabalhadoras do reino, como tinham suas vidas atreladas à da rainha, vivendo em sua função, começaram a sentir que suas forças minavam. À medida que a rainha se entristecia e se amargurava, ainda abalada pelo trauma da rejeição, as células beta trabalhavam menos, limitadas e impotentes.
Desde que o reino é reino, malfeitores e bandidos rondam incansavelmente as muralhas do castelo sempre procurando uma maneira de entrar, saquear e destruir o que os fiéis súditos constroem. Pois bem. Não tardou que malvados oportunistas aparecessem. O rei, mais lá no outro reino do que no seu, não estava nem aí. Era para ser um segredo de Estado ou de alcova, mas novamente, desde que o reino é reino, todos os segredos acabam vazando e logo a notícia do abandono do rei estava na boca do povo. Foi aí que apareceu um bandido estrangeiro que estava de olho naquele reino. Era o terrível Cocsaquie, um desertor cossaco, bárbaro e virulento que, imbuído dos mais terríveis sentimentos e pensamentos, só pensava em se apoderar do reino para fazer dele apenas mais uma conquista, sem nenhum interesse em seu desenvolvimento e bem estar do povo. No início, ele enfrentou uma pequena resistência por parte das células beta, agentes produtoras da insulina, matéria prima de primeira ordem do reino, mas logo conseguiu submetê-las, afastando-as da fábrica e mantendo-as prisioneiras num calabouço frio e impenetrável. Não demorou muito para que todas fossem executadas e destruídas. As células beta, antes belas e vigorosas produtoras de insulina, agora não passavam de corpos estranhos e irreconhecíveis.
A consequência disso é que a rainha teve seu reino metabólico totalmente prejudicado, numa disfunção sem precedentes. Sem as células beta e com a paralisação da insulina, tanto a rainha como os seus súditos ficaram fracos e doentes. Foi uma moléstia geral, quase uma pandemia. Os mais jovens foram os mais atingidos, tiveram seus olhos, rins, nervos e coração afetados. Imperou no reino uma fome e sede nunca vistas, todos os órgãos componentes ficaram fracos, nervosos, perderam peso e foram acometidos por náuseas e vômitos violentos. os mais velhos abandonaram a terra, indo para outros plagas. Dizem que o bárbaro e virulento Cocsaquie gostou tanto daquele reino que decidiu permanecer lá para sempre. E a rainha, bem, a rainha sobreviveu, conseguiu fugir para longe, onde, enfraquecida sem as fiéis células beta, foi mantida viva por injeções diárias de insulina artificial. Mas uma coisa é certa: jamais perdoou o rei traidor.     

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