quarta-feira, 27 de julho de 2016

A PRISÃO






Dizem que quando a gente só fala do passado é porque já ficou velho. Tudo bem, então eu já fiquei velha porque o passado sempre me acena com tantas histórias preciosas que daria um livro e tanto. Vamos à história de hoje. Meu pai era caçador. Naquele tempo isso era permitido, fazia parte da cultura da época. Crescemos assistindo às proezas das cadelas perdigueiras Diana, Fineza, Joia e outras anteriores das quais não me lembro os nomes. Sempre adorei esses nomes de cães e vacas e cavalos, como o cavalo “Bil” por quem meu sobrinho-neto apaixonou-se.  A Joia foi a nossa última perdigueira, depois disso meu pai não caçou mais. A Diana foi da época quando eu derrubei minha chupeta no quintal e ela, esperta, abocanhou. Entrei apavorada e dei com minha mãe arrematando uma costura ao lado do rádio. Afobada, relatei o acontecido e ela, calma e linda, disse: que bom, já estava mesmo na hora de dar adeus à chupeta, esta foi sua última. E foi mesmo.  
Nos feriados, meu pai andava com roupa de caçador, espingarda, cantil, e levava as perdigueiras com ele. No final do dia trazia algumas codornas e perdizes que minha mãe preparava para o jantar. Imagine só, meu pai ia pra outra cidade se encontrar com um amigo para as caçadas e levava a espingarda do seu lado no banco, sem balas, é claro. Mas que tempos aqueles!
Bem, nos meus oito anos, meu pai foi caçar em Mato Grosso com dois amigos e um deles era o dono do armazém de minha cidade, seu Wilson, o “Irso”, pai da Irani, da Vanda e mais dezenas de filhos e filhas. E de repente chegou a notícia de que estavam presos, os três. Foi qualquer coisa com relação à licença para as espingardas que levavam. Mas era época de paz, tudo era resolvido.
 Entretanto, em casa, nós os filhos ficamos apreensivos porque éramos crianças e passava um fio medo em meu coração. Será que meu pai voltaria? Minha mãe, bem, se dependesse dela, nada era grave, sempre vinha com o seu ora gente, que bobagem, fazendo parecer que tudo daria certo na vida. Isso era bom e não era. Acho que era mais pra bom do que não porque mesmo quando as coisas não dão certo é melhor pensar que tudo é uma grande bobagem.
Aí ficamos dias sem notícias do pai. Quando eu ia ao armazém buscar algum mantimento para minha mãe, o Zezinho, um empregado do seu Wilson, dizia perto de todo mundo, e aí, menina, seu pai tá preso, agora não volta, como é que vai ser? E eu, entre apavorada e com vergonha, replicava: não tá não, ele vai voltar. Passados mais dias sem notícias, estávamos almoçando, todos nós, os filhos e minha mãe. Eu me lembro de que era um almoço silencioso quando, sem mais nem menos, na maior surpresa, meu pai pulou para dentro de nossa copa gritando e assustando todo mundo. Ele entrou em casa, pé por pé, para ninguém desconfiar. Foi a maior gritaria e felicidade, pulamos em seu pescoço, ele estava barbudo e cheirava mal, ai que saudade do meu pai! Minha mãe também superfeliz, ora gente que bobagem, dessa vez tudo deu certo. Bem feito para o Zezinho, coitado, era bom moço, só não sabia que eu era muito sensível. Minha irmã tinha uma bicicleta e subia e descia morro com uma destreza acrobática. O Zezinho disse pra ela, aposto meu violão que você não faz aquela curvinha do morro. Minha irmã, de olho no violão, já antevendo suas qualidades musicais, topou a aposta e subiu na maior categoria. O Zezinho ficou branco, todos admiraram minha irmã. Mas ela não levou o violão, não era justo.      

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